No dia em que cientistas em Bruxelas divulgam o relatório do IPCC sobre as conseqüências das mudanças climáticas, com previsões sobrias para o futuro, destacamos trechos de uma importante entrevista concedida ao Portal G1, pelo climatologista Carlos A. Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais:
- O senhor comentou que reduzir as emissões é uma obrigação de todos os países. As nações emergentes, como o Brasil, estão até agora relutantes em falar de reduções obrigatórias, isso é uma coisa até agora só exigida de países ricos. Por quanto tempo isso vai se manter?
Por muito pouco tempo. Não há como, pelo menos no nível de decisão política internacional, os países em desenvolvimento, principalmente aqueles que emitem muito (notadamente a China, a Índia, em terceiro lugar o Brasil, por causa dos desmatamentos na Amazônia, e mais México, África do Sul e Coréia do Sul), ficarem fora da discussão e de alguns compromissos. A Convenção do Clima é muito clara ao dizer que a responsabilidade é de todos, porém ela deve ser exercida de forma diferenciada de acordo com as possibilidades de cada país. Foi por isso que foi criado o chamado Anexo 2, que inclui os países em desenvolvimento e que não têm responsabilidade histórica porque não são os países que mais emitiram gases nos últimos 200 anos. Isso é muito claro, mas nos próximos anos certamente os países em desenvolvimento terão que assumir compromissos. E não estão claros quais serão esses compromissos. É claro que por não terem a responsabilidade histórica, não poderá ser cobrado dos países em desenvolvimento o mesmo corte que se cobra já dos países desenvolvidos. Agora alguma forma de compromisso, alguma forma de participação mundial, vai se tornar inevitável. Não há como imaginar que os países desenvolvidos fazem a lição de casa, reduzem em 50%, 60% as emissões, e os países em desenvolvimento continuam aumentando as suas emissões. O resultado final disso seria um planeta insustentável. Como fazer os países em desenvolvimento participarem é um grande desafio político que temos para resolver nos próximos anos, talvez na próxima década.
- Falando sobre as responsabilidades do Brasil, uma pesquisa recente revelou que os brasileiros, ao lado exatamente dos chineses, são o povo mais consciente dos problemas do aquecimento global. Ainda assim, como senhor mesmo lembrou, o Brasil é dos países que mais polui, devido às queimadas na Amazônia. O que precisa mudar para o brasileiro sair dessa preocupação no campo das idéias e partir para uma ação prática?
Um aspecto muito profundo, cultural, muito mais amplo que só a questão ambiental do aquecimento, que é um aprofundamento no nível da alma da cultura da democracia. O brasileiro é extremamente consciente dos perigos da perturbação ambiental, sejam as queimadas, seja o aquecimento global. A mídia brasileira tem desempenhado um papel muito importante de educação, de trazer essa questão ao debate. Mas o brasileiro tem um sentimento enorme de impotência, como ser individual. Impotência frente aos poderes, impotência frente aos governos. E isso não é da questão ambiental, isso é geral. Falta um aprofundamento democrático, que é uma transformação cultural que não é simples. Nós estamos vendo a dificuldade que é fazê-la no Brasil, nós já estamos respirando democracia desde 1985 e a população ainda não se sente dona de seu próprio destino. Eu não consigo perceber em qual escala de tempo o brasileiro vai conseguir se sentir dono de seu destino e tomar atitudes condizentes com isso. Por exemplo, para reduzir o desmatamento, é muito importante que não se compre nenhum produto da Amazônia que tenha origem em áreas ilegais ou atividades clandestinas. O brasileiro precisa se tornar um consumidor responsável, com interesse na origem dos produtos que adquire. E é uma porcentagem muito pequena da população brasileira que faz isso.
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