quarta-feira, 25 de abril de 2007

Resfriamento Oceânico? Não

Muito falou-se sobre um trabalho (Lyman et al, 2006) que foi publicado no ano passado que afirmava que os oceanos, ao contrário de todas as expectativas, haviam se resfriado no período de 2003 a 2005. Naquela época, nós (corretamente) apontamos que este resultado seria difícil de ser conciliado com as contínuas elevações do nível dos mares (ocasionados em grande parte por efeitos de expansão térmica), e que havia problemas na maneira como as novas bóias ARGO estavam sendo incorporadas na rede de medidas. Agora parece que de fato há um problema com os dados e nas últimas análises, o resfriamento desapareceu.

Mudanças no conteúdo calórico dos oceanos são potencialmente uma ótima maneira de avaliar resultados de modelos climáticos que sugerem que o planeta está atualmente fora de equilíbrio (isto é, está absorvendo mais energia que emitindo). Entretanto, os oceanos são muito extensos e as redes de medidas históricas estão infestadas com problemas de amostragem no tempo e espaço. Compilações de longa duração e em grandes escalas globais (como as de Levitus et al, 2001; Willis et al, 2004) e regionais (i.e. Atlântico Norte) indicaram que os oceanos aqueceram-se em décadas recentes mais ou menos na taxa esperada pelos modelos.

Desde 2000, entretanto, ARGO – que é uma rede de bóias que se movem para cima e para baixo nos oceanos e seguem as correntes – ofereceram o potencial de aumentar dramaticamente a densidade de amostragem nos oceanos e de fornecer, pela primeira vez, dados contínuos e bem espaçados das regiões menos visitadas mas muito importantes do planeta (como os oceanos do sul). Dados sobre o conteúdo calórico dos oceanos eram conseqüentemente ansiosamente esperados.

Medidas iniciais ARGO foram incorporadas na análise de 2004 de Willis et al, mas a medida que os dados ARGO passaram a dominar as fontes de dados em torno de 2003, Lyman et al relataram que os oceanos pareciam estar se resfriando. Estas eram apenas mudanças de curto prazo, e enquanto poucos iriam confundir um ou dois anos anômalos com uma tendência de longo prazo, elas eram um pouco surpreendentes, mesmo considerando que o panorama de longo prazo era pouco modificado.

A notícia esta semana é, no entanto, que todo aquele ‘resfriamento’ era na realidade devido à combinação de uma leitura de pressão defeituosa num subconjunto das bóias e a uma troca entre sistemas de observação com diferentes tendências. (Atualização: leve mudança no palavreado para melhor refletir o paper). O erro na pressão significou que as temperaturas estavam sendo associadas com um ponto mais elevado na coluna oceânica do que deveria ser, e isto (dado que o oceano resfria-se com a profundidade) introduziu uma tendência de resfriamento espúria quando comparada com dados anteriores. Este erro pode ser corrigido em alguns casos, mas por enquanto os dados suspeitos foram simplesmente retirados da análise. Os novos resultados não mostram assim nenhum resfriamento.

Está tudo então no lugar novamente? Infelizmente não. Por causa da escassez de dados, levantamentos do conteúdo calórico dos oceanos devem utilizar uma ampla variedade de sensores, cada um com suas próprias peculiaridades e problemas. Tudo isto combinado com mudanças nas fontes de dados ao longo dos anos, há então um grande potencial para tendências não-climáticas aparecerem. Em particular, os eXpendable BathyThermographs (XBTs – sensores que são simplesmente jogados de um navio) têm um problema conhecido no fato de que estes não caem tão depressa quanto supostamente deveriam. Isto gera uma tendência de aquecimento (veja este resumo de Ingleby e Palmer ou o trabalho de Gouretski e Koltermann), particularmente nos dados dos anos 70, antes das correções terem sido plenamente implementadas. Nós teremos ainda que esperar pelos números ‘definitivos’ do conteúdo calórico dos oceanos, entretanto, é importante notar que todas as analises fornecem tendências de aquecimento no longo prazo – particularmente nos anos 90 – seja se elas incluem os dados ARGOS bons ou excluem as XBTs ou não).

Há aqui um número de importantes lições a serem tiradas:

  • Novos trabalhos científicos devem passar pelo teste do tempo antes de serem aceitos sem nenhuma crítica.

  • Os dados de bóias ARGO estão disponíveis em tempo quase real, e apesar disto ser extremamente útil, todo conjunto de dados deste tipo é sempre preliminar.

  • O problema real com estes dados era completamente desconhecido quando Lyman et al escreveram seu artigo. Este fato é muito comum dado o número de etapas necessárias para criar conjuntos de dados globais. Seja um ajuste na órbita de um satélite, a descalibração de um sensor, um desvio despercebido na localização de uma estação, a degradação de um armazenador de dados ou um erro humano, estes problemas são frequentemente corrigidos apenas após muito trabalho.

  • Resultados anômalos são frequentemente responsáveis por mudanças fundamentais no pensamento científico. Entretanto, a maior parte dos resultados anômalos terminam por serem explicados de uma maneira muito mais simples (como no caso em questão, ou o caso do satélite MSU há alguns anos).


Cientistas que trabalham num determinado campo de atividades desenvolvem uma certa intuição a respeito de como as coisas ‘funcionam’. Esta intuição vem de um certo faro, um profundo conhecimento teórico, resultados robustos de modelos, uma longa experiência com observações, etc. Novos resultados que caem fora dos padrões pré-estabelecidos freqüentemente enfrentam dificuldades para serem aceitos, mas se eles são sólidos e obtêm apoio subseqüente, eles geralmente são incorporados. Mas aquela intuição é também muito boa para detectar resultados que simplesmente não se encaixam. Quando isto acontece, cientistas gastam muito tempo pensando no que pode ter dado errado – com os dados, a análise, o modelo ou a interpretação. Geralmente é recompensador não emitir nenhum julgamento até que este processo tenha terminado.

Fonte: RealClimate

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