O aumento do nível do mar publicado no novo relatório do IPCC (o Quarto Relatório de Avaliação, AR4) já tem causado confusão considerável. Muitos artigos da mídia sugerem que há boas notícias sobre a questão do nível do mar, com previsões muito menores de aumento do nível do mar comparadas às previsões do relatório anterior do IPCC (o Terceiro Relatório de Avaliação, TAR). Alguns artigos reportam que o IPCC reduziu a projeção para o aumento do nível do mar de 88 para 59 cm, enquanto outros dizem que tal projeção teria sido reduzida de 88 para 43 cm, e existem muitas outras versões também (veja "Ampla Ironia"). Tais declarações são incorretas dado que o novo valor de até 59 cm não representa sequer toda a estória. Aqui tentarei clarear o que o IPCC de fato quer dizer e como esses números são derivados. (Mas caso prefira pular os detalhes, vá direto para a crítica ou a última linha).
O que o IPCC diz?
O Sumário para Tomadores de Decisão (SPM) lançado no ultimo mês fornece a seguinte tabela de projeções para o aumento do nível do mar:
Aumento do Nível do Mar (em metros para 2090-2099 relativo a 1980-1999) | |
Caso | Intervalo baseado em modelo excetuando-se rápidas mudanças futuras no fluxo de gelo |
Cenário B1 | 0.18 – 0.38 |
Cenário A1T | 0.20 – 0.45 |
Cenário B2 | 0.20 – 0.43 |
Cenário A1B | 0.21 – 0.48 |
Cenário A2 | 0.23 – 0.51 |
Cenário A1FI | 0.26 – 0.59 |
É desta tabela que sai o usualmente citado intervalo de 18 a 59 cm. O texto que acompanha a tabela diz:
• Projeções baseadas em modelos da elevação do nível do mar no final do século XXI (2090-2099) são mostradas na Tabela SPM-3. Para cada cenário, o ponto médio do intervalo na Tabela SPM-3 situa-se dentro de 10% da média do modelo do TAR para 2090-2099. Os intervalos são mais estreitos que no TAR principalmente devido às melhorias na informação sobre algumas incertezas nas contribuições projetadas15. {10.6}.
nota de rodapé 15: As pojeções no TAR foram feitas para 2100, enquanto que as projeções desse relatório são para 2090-2099. O TAR deveria apresentar intervalos similares aos da Tabela SPM-3 se as incertezas tivessem sido tratadas da mesma maneira.
• Os modelos atuais não incluem incertezas do feedback climático do ciclo do carbono e tão pouco incluem efeitos completos das mudanças dos fluxos das placas de gelo, dado que ainda faltam fundamentos publicados na literatura. As projeções incluem uma contribuição devido ao aumento do fluxo de gelo da Groenlândia e Antártica em taxas observadas para 1993-2003, mas tais taxas de fluxo poderiam aumentar ou diminuir no futuro. Por exemplo, se essa contribuição crescer linearmente com a mudança da temperatura média global, os intervalos superiores da elevação do nível do mar nos cenários SRES (Relatório Especial dos Cenários de Emissão do IPCC) mostrados na Tabela SPM-3 deveriam aumentar em 0.1 m a 0.2 m. Valores maiores não podem ser excluídos, mas o conhecimento desses efeitos é muito limitado para avaliar suas probabilidades ou fornecer uma melhor estimativa ou um limite superior para o aumento do nível do mar. {10.6}
• Se a forçante radiativa fosse estabilizar em 2100 em níveis estimados no cenário A1B, a expansão térmica somente levaria a um aumento do nível do mar de 0.3 a 0.8 m em 2300 (relativo a 1980–1999). A expansão térmica continuaria por muitos séculos, devido ao tempo requerido para transportar calor para o oceano profundo. {10.7}
• A contração da camada de gelo da Groenlândia é projetada a continuar contribuindo para o aumento do nível o mar após 2100. Os modelos atuais sugerem que um aumento da perda de massa de gelo com a temperatura seria mais rápido do que um ganho de massa de gelo com a precipitação, e que o balanço de massa da superfície tornaria-se negativo sob um aquecimento global médio (relativo aos valores pré-industriais) excedendo 1.9 a 4.6°C. Se um balanço negativo de massa da superfície fosse sutentado por milênios, isso levaria a uma eliminação virtualmente completa da cobertura de gelo da Groenlândia e uma contribuição resultante do aumento do nível do mar ao redor de 7 m. As temperaturas futuras correspondentes na Groenlândia são comparáveis àquelas inferidas para o último período interglacial há 125 mil anos atrás, quando as informações paleoclimáticas sugerem uma redução da extensão de gelo polar e um aumento do nível do mar de 4 a 6 m. {6.4, 10.7}
• Processos dinâmicos relacionados o fluxo de gelo não incluídos nos modelos atuais mas sugeridos por recentes observações poderia aumentar a vulnerabilidade das placas de gelo ao aquecimento, aumentando a elevação do nível do mar no futuro. A compreensão desses processos é limitada e não há consenso sobre sua magnitude. {4.6, 10.7}
• Estudos atuais de modelos globais projetam que a camada de gelo Antártica pode permanecer muito fria para um amplo derretimento superficial e espera-se um ganho de massa devido a um aumento de queda de neve. Contudo, uma perda líquida de gelo poderia ocorrer se uma descarga dinâmica de gelo dominar o balanço de massa da camada de gelo. {10.7}
• Ambas as emissões antropogênicas passadas e futuras de dióxido de carbono deverão continuar a contribuir no aquecimento e na elevação do nível do mar por mais de um milênio, por conta da escala de tempo requerida para a remoção desse gás da atmosfera. {7.3, 10.3}
(Os itens acima documentam tudo que o SPM diz sobre o futuro da elevação do nível do mar. Os números entre chaves refem-se aos capítulos do relatório completo a ser divulgado em maio.)
O que está incluso nesses números de nível do mar?
Vamos olhar como esses números são derivados. Eles são constituídos de quatro componentes: expansão térmica, geleiras e camadas de gelo (excetuando-se as capas de gelo da Groenlândia e Antártica), balanço de massa de placas de gelo superficiais, e o desbalanço dinâmico das placas de gelo.
1. Expansão térmica (água oceânica mais quente ocupa maior espaço) é computada de modelos climáticos acoplados. Esses incluem modelos de circulação oceânica e podem assim estimar onde e quão rápido o aquecimento superficial penetra nos oceanos profundos.
2. A contribuição de geleiras e camadas de gelo (não incluindo Groenlândia e Antártica), por sua vez, é computada de uma simples formulação empírica que liga a temperatura média global à perda de massa (equivalente a uma taxa de elevação do nível do mar), baseada em dados observados entre 1963 e 2003. Tal formulação considera que as geleiras desaparecem vagarosamente e conseqüentemente param de contribuir – a quantidade total de geleiras remanecente seria suficiente para elevar o nível do mar em 15-37 cm.
3. A contribuição das duas maiores coberturas de gelo é dividida em duas partes. O que é chamado de balanço de massa superficial se refere simplesmente a queda de neve menos a ablação de gelo superficial (que é o derretimento somado à sublimação). Este é computado por um modelo de balanço de massa de placa de gelo superficial, com as quantidades de queda de neve e temperaturas derivados de um modelo de alta resolução da circulação atmosférica. Este cálculo não é o mesmo dos modelos acoplados usados nas projeções de temperatura do IPCC, de modo que os resultados desse modelo são ajustados para mimetizar diferentes modelos acoplados e diferentes cenários climáticos. (Um importante detalhe: esse balanço de massa superficial inclui algumas mudanças “morosas” no fluxo de gelo, mas essa é uma pequena contribuição.)
4. Finalmente, existe um outro modo pelo qual as placas de gelo podem contribuir para a elevação do nível do mar: ao invés de derreterem na superfície, podem começar a fluir mais rapidamente. Isso vem sendo observado com freqüência ao redor das bordas da Groenlândia e Antártica em anos recentes: saídas de geleiras e rios de gelo que drenam as placas de gelo têm aumentado suas vazões. Numerosos processos contribuem para isso, incluindo a remoção de conchas de gelo (i.e., gelos que flutuam sobre a água ancoradas em ilhas ou rochas submersas) ou a erosão da base da placa de gelo por água líquida fluindo pela superfície através de falhas no gelo. Tais processos não podem ainda ser adequadamente modelados, mas as observações sugerem que eles têm contribuído com 0 – 0.7 mm/ano para a elevação do nível do mar no período 1993-2003. As projeções na dada tabela assumem que tal contribuição simplesmente se mantém constante até o fim deste século.
Por exemplo, tome o cenário A1FI – este é o mais quente e por isso define os limites superiores do intervalo do nível do mar. A “melhor” estimativa desse cenário é 28 cm para a expansão térmica, 12 cm para as geleiras e -3 cm para o balanço de massa das placas de gelo – note que o IPCC ainda assume que a Antártica ganha mais massa através desse modo do que a Groenlândia perde. Adicionado a isso há um termo de acordo com (4) simplesmente baseado na premissa de que o acelerado fluxo de gelo observado em 1993-2003 se mantém sempre constante, adicionando outros 3 cm em 2095. No total, isso totaliza até 40 cm, com uma contribuição nula das placas de gelo. (Outro ponto importante: Isso representa um pouco menos do que a estimativa central de 43 cm para o cenário A1FI que foi divulgado na mídia, tirado dos primeiros rascunhos do SPM, pois estes 43 cm não eram a soma das melhores estimativas individuais para os diferentes fatores contribuintes, mas, ao contrário, era um ponto médio do intervalo das incertezas, o qual é um pouco maior quando algumas incertezas são tomadas com valores mais altos.)
Como esses números se comparam com o relatório anterior?
Elevação do nível do mar como verificado em Church e White 2006 mostrado em vermelho até o ano de 2001, junto com os cenários do IPCC (2001) para 1990-2100. Veja a segunda figura abaixo para um zoom no período de sobreposição.
O TAR mostrou curvas de elevação de nível do mar para uma gama de cenários de emissão (mostrada na Figura acima junto com novos dados obervacionais de Church e White 2006). Essa gama foi baseada em simulações com um modelo simples (o modelo MAGICC) ajustado para mimetizar o comportamento de uma gama de diferentes modelos climáticos complexos (por exemplo em termos de diferentes sensibilidades climáticas variando de 1.7 a 4.2 ºC), combinado com equações simples para um glacial e balanços de massa de placa de gelo (“esquema graus-dias”). Este intervalo baseado em modelo é mostrado como uma banda verde (legendada como “Several models all SRES envelope” na Figura 5 original do TAR SPM) e variou de 21 a 70 cm, enquanto que a estimativa central para cada cenário de emissão é mostrada como uma linha tracejada colorida. A maior estimativa central da elevação do nível do mar foi para o cenário A1FI (cor púrpura, 49 cm).
Ainda mais, as curvas tracejadas em cinza indicam incertezas adicionais no comportamento das placas de gelo. Tais linhas foram legendadas como “All SRES envelope including land ice uncertainty” no TAR SPM e ampliou o intervalo até 88 cm, adicionando 18 cm no limite superior. É preciso procurar minuciosamente no apêndice do Capítulo 11 do TAR para encontrar o que esses 18 cm extras representam: eles incluem uma “incerteza no balanço de massa” e uma “incerteza de dinâmica de gelo”, onde o último é meramente assumido como 10% da perda de massa total computada para a placa de gelo da Groenlândia. Note que tal incerteza na dinâmica de gelo foi somente incluída para a Groenlândia mas não para a Antártica; instabilidade da Placa de Gelo Oeste da Antártica, um cenário considerado “muito improvável” no TAR, foi explicitamente não incluído no limite superior de 88 cm.
Como mencionamos em nossa postagem sobre a divulgação do SPM, seria comparar maçãs e laranjas ao dizer que o IPCC reduziu o limite superior do nível do mar de 88 cm para 59 cm, a medida em que o primeiro incluiu “a incerteza da dinâmica do gelo” (muito embora somente para a Groenlândia, pois mudanças rápidas do fluxo de gelo na Antártica foram consideradas muito improváveis para preocupar naquele tempo), enquanto que o segundo discute essa incerteza do fluxo de gelo separadamente no texo, declarando que isso poderia adicionar 10 cm, 20 cm ou ainda mais aos 59 cm da tabela.
Assim seria melhor comparar o intervalo baseado em modelo de 21 - 70 cm do TAR com o 18 - 59 cm do AR4? Mesmo isso seria comparar maçãs com laranjas. Para um, o TAR cita a elevação até o ano 2100, o AR4 até o período 2090-2099, assim faltam os últimos cinco anos (ou 5.5 anos, mas não sejamos pedantes) da elevação do nível do mar. Para 2095, a projeção do TAR reduz de 70 cm para 65 cm (a estimativa central para o cenário A1FI reduz de 49 cm para 46 cm). Também, o intervalo do TAR é um intervalo de 95% de confiança, já o intervalo AR4 é mais estreito para um intervalo de confiança de 90%. Dados os números do TAR também como intervalos de 90% remove outros 3 cm do limite superior final.
Parece complicado? Existem outras diferenças mais técnicas... mas irei poupar-lhes disso. A reunião de Paris do IPCC já discutiu o pedido de alguns delegados de fornecer uma comparação direta dos números do AR4 e do TAR, mas desistiram de fazer isso detalhadamente por ser muito complicado. O resultado foi duas declarações:
O TAR deveria ter intervalos similares aos da Tabela SPM-3 se ele tivesse tratado as incertezas da mesma maneira.
e
Para cada cenário, o ponto médio do intervalo na Tabela SPM-3 está dentro de 10% da média do modelo TAR para 2090-2099.
(Na verdade, foi dito aos delegados pelos autores do IPCC em Paris que com os novos modelos AR4, as estimativas centrais de cada cenário seriam um pouco maiores que aquelas dos velhos modelos, se os números são reportados de forma comparável.)
A última linha mostra então que os métodos têm sido significativamente melhorados (razão por detrás de todos essas mudanças metodológicas), mas a expectativa de quanto o nível do mar irá subir no século que virá não mudou muito. A maior mudança é que a dinâmica das placas de gelo parecem mais incertas agora que no tempo do TAR, que é a razão para que esta incerteza não seja mais inclusa nos intervalos citados, mas sim discutida separadamente no texto.
Crítica - Poderiam esses números subestimar a futura elevação do nível do mar?
Existem várias discussões importantes sobre os números do nível do mar.
O primeiro é o tratamento das mudanças rápidas potenciais no fluxo de gelo (item 4 da lista acima). O AR4 aponta que as placas de gelo têm recentemente perdido massa (o período de análise é 1993-2003). A Groenlândia tem contribuído com +0.14 a +0.28 mm/ano para a elevação do nível do mar sobre esse período, enquanto que para a Antártica a incerteza varia de -0.14 a +0.55 mm/ano. É observado que a perda de massa da Antártica é predominante ou inteiramente devido às recentes mudanças do fluxo de gelo. A questão então é: Quanto esse processo irá contribuir para o futuro da elevação do nível do mar? A resposta honesta é: nós não sabemos. Como o SPM declara, pelo ano 2095 poderia ser 10 cm. Ou 20 cm. Ou mais. Ou menos.
O IPCC incluiu uma suposição no 'intervalo baseado em modelo' dado na tabela: tal suposição toma metade da perda de massa da Groenlândia e toda a perda de massa Antártica para 1993-2003, e assume que as perdas se manteriam sempre constantes até 2100. Essa permissa na minha visão não tem embasamento científico, pois o fluxo de gelo é quase que certamente muito variável no tempo. O relatório por si só declara que tal perda de gelo seja devida a uma aceleração recente do fluxo, e que em 2005 já era bastante alta, e no futuro os números poderiam ser várias vezes maior – ou poderiam ser menores. Incluindo um número fundamentalmente deficiente no intervalo 'baseado em modelo' degrada estimativas muito mais confiáveis para a expansão térmica, geleiras de montanhas e balanço de massa. Ainda pior: para os números com estimativas de erro, é adicionado um número sem uma estimativa apropriada de erro (a incerteza observada para 1993-2003 é incluída, mas quem asseguraria que esta seja válida para futuras mudanças no fluxo de gelo?). E então são apresentadas somente as margens de erro combinadas – você pode notar que nenhuma estimativa central é fornecida na tabela acima. Se eu tivesse apresentado isso como um erro de cálculo numa lição de casa no primeiro semestre de física, duvido que eu conseguiria escapar disso. A delegação alemã em Paris (da qual sou membro) então sugeriu tirar a estimativa do fluxo de gelo do intervalo tabulado. Os números se tornariam um pouco menores, mas esta abordagem não mesclaria níveis muito diferentes de incerteza, e ficaria claro o que estaria incluso na tabela e o que não estaria (as mudanças de fluxo de gelo), ao invés de tentar incluir parcialmente mudanças nos fluxos de gelo. Tais mudanças teriam sido discutidas no texto – dizendo que nas taxas de 1993-2003, tal termo poderia contribuir com 3 cm em 2095, mas esse valor poderia mudar para 10 cm ou 20 cm ou mais. Todavia, não encotramos nenhum suporte para esta proposta, a qual não teria mudado a Ciència de maneira alguma, mas melhorado a claridade da apresentação.
Como está agora, devido à forma complexa e obscura da combinação dos erros, até mesmo eu não poderia dizer por quanto o limite superior de 59 cm seria reduzido se a questionável estimativa fosse removida, e uma das razões para que os autores do IPCC não adotassem nossa proposta foi a de que os números não poderiam ser calculados rapidamente.
Um segundo problema com o intervalo acima é que os modelos usados para derivar as projeções subestimam significativamente a elevação do nível do mar em tempos pretéritos. Tentamos em vão fazer isso ser mencionado no SPM, de modo que você teria que ir ao relatório principal para encontrar essa informação. O AR4 declara que para o período 1961-2003, os modelos sobre as médias fornece uma elevação de 1.2 mm/ano, enquanto que os dados mostram 1.8 mm/ano, i.e. um crescimento 50% mais rápido. E isto sem considerar a taxa de perda de placa de gelo (0.19 mm/ano) nos números 'modelados' nesta comparação. Se assim fosse, a discrepância seria ainda maior – os modelos de placa de gelo prevèm que as placas de gelo ganhariam massa em função do aquecimento global. A comparação parece um pouco melhor no período de 1993-2003, para o qual os modelos fornecem uma elevação de 2.6 mm/ano enquanto os dados fornecem 3.1 mm/ano. Mas de novo as estimativas de 'modelos' incluem uma observada perda de massa de gelo de 0.41 mm/ano enquanto os modelos de placas de gelo fornecem um ganho de massa de 0.1 mm/ano para esse período; considerando isso, a elevação observada é de novo 50% mais rápida do que as melhores estimativas de modelos para esse período. Esta subestimativa persiste dos modelos do TAR (veja Rahmstorf et al. 2007 e Figura abaixo) – isso não é uma surpresa, desde que os novos modelos dão essencialmente os mesmos resultados dos modelos antigos, como discutido acima.
Comparação dos cenários do nível do mar do IPCC 2001 (com início em 1990) e dados observados: os dados de Church e White (2006) baseiam-se primariamente em estações de medição de maré (anual em vermelho) e dados de satélite altímetro (atualizado de Cazenave e Nerem 2004, dados espaçados de 3 meses, em azul, até meados de 2006) são mostrados com suas linhas de tendência. Note que a tendência de elevação do nível do mar segue a linha tracejada mais superior dos cenários do IPCC, exatamente aquela nomeada "incluindo a incerteza de gelo terrestre", veja a primeira figura.
Nós então vemos que o nível do mar parece estar subindo cerca de 50% mais rápido que os modelos sugerem - consistentemente para os períodos de 1961-2003 e 1993-2003, e para os modelos TAR e AR4. Isso pode ter diversas razões, e a discrepância poderia ser considerada insignificante dados os intervalos de erros das obervações e modelos. Não há provas de que os modelos subestimam a elevação o nível do mar. Mas há no mínimo uma possibilidade plausível de que os modelos possam subestimar a elevação futura.
Uma terceira questão de importância diz respeito ao feedback do ciclo do carbono. As projeções de temperatura fornecidas na tabela SPM-3 do Sumário para Tomadores de Decisão variam de 1.1 a 6.4 ºC de aquecimento e inclui o feedback do ciclo do carbono. A variação do nível do mar, contudo, é baseada em cenários que excluem esse feedback e assim variam somente até 4.5 5.2 ºC. Isso poderia facilmente ser mal interpretado, pois na tabela SPM-3 os intervalos de temperatura que incluem o feedback do ciclo do carbono são mostrados ao lado dos intervalos do nível do mar, mas esses últimos na verdade aplicam-se a um menor intervalo de temperatura. Como uma estimativa grosseira, sugiro que para um cenário de aquecimento de 6.4 ºC, da ordem de 20 15 cm deveria ser adicionado aos 59 cm para definir o limite superior do intervalo de elevação do nível do mar.
Um ponto final seria os aspectos regionais. Gerentes de planejamento de zonas costeiras precisam ter conciência que a elevação do nível do mar não será a mesma em todos os lugares. O AR4 mostra um mapa de mudanças regionais do nível do mar, o qual mostra que por exemplo a costa européia pode esperar uma elevação de 5-15 cm a mais que a média global de elevação – isso é uma média de modelo, não incluindo a incerteza do intervalo. O padrão nesse mapa é marcadamente similar ao que seria esperado de uma desaceleração da na circulação termohalina (veja Levermann et al. 2005) de modo que provavelmente a elevação seja dominada por esse efeito. Além disso, algumas áreas terrestres estão surgindo e outras desaparecendo em resposta ao final da última era glacial ou devido à processos antropogênicos locais (como o uso de águas subterrâneas), os quais os gerentes e tomadores de decisão devem também considerar.
A principal conclusão dessa análise é que a incerteza do nível do mar não é menor agora que na época do TAR, e citar o intervalo de 18-59 cm para a elevação do nível do mar, como muitos artigos da mídia têm feito, não representa toda a estória. 59 cm não é infortunadamente o “pior caso”. Ele não inclui toda a incerteza das placas de gelo, a qual deveria adicionar 20 cm ou mais. Ele não cobre totalmente o 'provável' intervalo de temperatura dado no AR4 (até 6.4 ºC) – correções nesse sentido poderiam adicionar novamente cerca de 20 15 cm. Ele não considera o fato de que a elevação passada do nível do mar seja subestimada pelos modelos por razões que são pouco claras. Considerando essas questões, uma elevação do nível do mar que exceda um metro pode, no meu ponto de vista, de modo algum ser descartada. Numa análise muito diferente, baseada somente numa simples correlação da elevação do nível do mar e temperatura, eu cheguei a uma conclusão similar. Como citado nesse paper, meu ponto aqui não é que eu tenha previsto que o nível do mar será maior que o IPCC sugere, ou que as estimativas do IPCC para a elevação do nível do mar não estejam corretas. Meu ponto é que em termos de análise de risco, o intervalo de incerteza que alguém precisa considerar é na minha visão substancialmente maior que os 18-59 cm.
Um pensamento final: esta discussão tem sido sobre a elevação do nível do mar até o ano de 2095. E tal elevação não termina nesse ano, como mostra a citação do SPM no início desse artigo. Ao longo de muitos séculos, sem esforços sérios de mitigação podemos esperar muitos metros de elevação dos oceanos. O Conselho Consultivo em Mudança Global do governo alemão (elucidando: sou membro desse conselho) em seu recente relatório especial sobre oceanos tem proposto limitar a elevação do nível do mar a um máximo de um metro, como sendo uma meta a guiar a política climática. Mas isso é uma outra estória .
Atualização: Fui recém informado por um dos autores do IPCC que os cenários de intervalo de temperatura sem o feedback do ciclo do carbono varia até 5.2 ºC, e não 4.5 ºC como pensava. Este número não é encontrado no relatório do IPCC; tentei interpretá-lo de um gráfico, mas não exato o suficiente. Minhas desculpas! Os números no texto acima devem ser corrigidos e estão marcados.
Fonte: RealClimate
Um comentário:
Gostaria de saber quantos joules, aproximadante, seriam necessários para provocar uma dilatação volumétrica da água do mar a ponto de gerarem, no caso da expansão térmica, os aumentos de nível do mar citados no artigo, e que se fizesse uma comparação dessa energia, com a quantidade de energia solar que anualmente chega a superfície da Terra.
Postar um comentário