segunda-feira, 30 de abril de 2007

Florestas Nem Sempre Combatem o Aquecimento Global

A prevenção do desflorestamento e a promoção do reflorestamento são freqüentemente citadas como estratégias para desacelerar o aquecimento global. Na edição de 9 de abril da revista Proceedings of the National Academy of Sciences, G. Bala e colaboradores, da Lawrence Livermore National Laboratory, da Carnegie Institution e da Universidade de Montpellier II, mostram que as coisas são um pouco mais complicadas. Desflorestamento libera dióxido de carbono para a atmosfera, o que tende a aquecer o clima da terra. Entretanto, efeitos biofísicos do desflorestamento, o que inclui mudanças no albedo superficial, evotranspiração, e cobertura de nuvens também afetam o clima.

Para verificar o efeito líquido de todos estes efeitos combinados, os pesquisadores analisaram os resultados de vários experimentos de desflorestamento em grande escala, realizados em conjunto com simulações tridimensionais de modelos acoplados do ciclo de carbono e do clima. Estes modelos representavam as interações físicas e biogeoquímicas entre continentes, atmosfera e oceanos. Paradoxalmente, os resultados mostraram que desflorestamento em escala global tem um efeito líquido de resfriamento no clima da terra, devido a mudanças no albedo e na evotranspiração. Experimentos de desflorestamento em diferentes latitudes mostraram que projetos de reflorestamento nos trópicos seriam claramente benéficos para mitigar o aquecimento global; no entanto, estes seriam contraprodutivos se implementados em altas latitudes, e ofereceriam ganhos apenas marginais se realizados em regiões temperadas.

Apesar destes resultados questionarem a eficácia de projetos de reflorestamento em regiões de latitude média ou alta, os autores alertam que as florestas, mesmo fora dos trópicos, ainda permanecem fontes de recursos ambientalmente valiosos, não necessariamente relacionados ao clima.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Resfriamento Oceânico? Não

Muito falou-se sobre um trabalho (Lyman et al, 2006) que foi publicado no ano passado que afirmava que os oceanos, ao contrário de todas as expectativas, haviam se resfriado no período de 2003 a 2005. Naquela época, nós (corretamente) apontamos que este resultado seria difícil de ser conciliado com as contínuas elevações do nível dos mares (ocasionados em grande parte por efeitos de expansão térmica), e que havia problemas na maneira como as novas bóias ARGO estavam sendo incorporadas na rede de medidas. Agora parece que de fato há um problema com os dados e nas últimas análises, o resfriamento desapareceu.

Mudanças no conteúdo calórico dos oceanos são potencialmente uma ótima maneira de avaliar resultados de modelos climáticos que sugerem que o planeta está atualmente fora de equilíbrio (isto é, está absorvendo mais energia que emitindo). Entretanto, os oceanos são muito extensos e as redes de medidas históricas estão infestadas com problemas de amostragem no tempo e espaço. Compilações de longa duração e em grandes escalas globais (como as de Levitus et al, 2001; Willis et al, 2004) e regionais (i.e. Atlântico Norte) indicaram que os oceanos aqueceram-se em décadas recentes mais ou menos na taxa esperada pelos modelos.

Desde 2000, entretanto, ARGO – que é uma rede de bóias que se movem para cima e para baixo nos oceanos e seguem as correntes – ofereceram o potencial de aumentar dramaticamente a densidade de amostragem nos oceanos e de fornecer, pela primeira vez, dados contínuos e bem espaçados das regiões menos visitadas mas muito importantes do planeta (como os oceanos do sul). Dados sobre o conteúdo calórico dos oceanos eram conseqüentemente ansiosamente esperados.

Medidas iniciais ARGO foram incorporadas na análise de 2004 de Willis et al, mas a medida que os dados ARGO passaram a dominar as fontes de dados em torno de 2003, Lyman et al relataram que os oceanos pareciam estar se resfriando. Estas eram apenas mudanças de curto prazo, e enquanto poucos iriam confundir um ou dois anos anômalos com uma tendência de longo prazo, elas eram um pouco surpreendentes, mesmo considerando que o panorama de longo prazo era pouco modificado.

A notícia esta semana é, no entanto, que todo aquele ‘resfriamento’ era na realidade devido à combinação de uma leitura de pressão defeituosa num subconjunto das bóias e a uma troca entre sistemas de observação com diferentes tendências. (Atualização: leve mudança no palavreado para melhor refletir o paper). O erro na pressão significou que as temperaturas estavam sendo associadas com um ponto mais elevado na coluna oceânica do que deveria ser, e isto (dado que o oceano resfria-se com a profundidade) introduziu uma tendência de resfriamento espúria quando comparada com dados anteriores. Este erro pode ser corrigido em alguns casos, mas por enquanto os dados suspeitos foram simplesmente retirados da análise. Os novos resultados não mostram assim nenhum resfriamento.

Está tudo então no lugar novamente? Infelizmente não. Por causa da escassez de dados, levantamentos do conteúdo calórico dos oceanos devem utilizar uma ampla variedade de sensores, cada um com suas próprias peculiaridades e problemas. Tudo isto combinado com mudanças nas fontes de dados ao longo dos anos, há então um grande potencial para tendências não-climáticas aparecerem. Em particular, os eXpendable BathyThermographs (XBTs – sensores que são simplesmente jogados de um navio) têm um problema conhecido no fato de que estes não caem tão depressa quanto supostamente deveriam. Isto gera uma tendência de aquecimento (veja este resumo de Ingleby e Palmer ou o trabalho de Gouretski e Koltermann), particularmente nos dados dos anos 70, antes das correções terem sido plenamente implementadas. Nós teremos ainda que esperar pelos números ‘definitivos’ do conteúdo calórico dos oceanos, entretanto, é importante notar que todas as analises fornecem tendências de aquecimento no longo prazo – particularmente nos anos 90 – seja se elas incluem os dados ARGOS bons ou excluem as XBTs ou não).

Há aqui um número de importantes lições a serem tiradas:

  • Novos trabalhos científicos devem passar pelo teste do tempo antes de serem aceitos sem nenhuma crítica.

  • Os dados de bóias ARGO estão disponíveis em tempo quase real, e apesar disto ser extremamente útil, todo conjunto de dados deste tipo é sempre preliminar.

  • O problema real com estes dados era completamente desconhecido quando Lyman et al escreveram seu artigo. Este fato é muito comum dado o número de etapas necessárias para criar conjuntos de dados globais. Seja um ajuste na órbita de um satélite, a descalibração de um sensor, um desvio despercebido na localização de uma estação, a degradação de um armazenador de dados ou um erro humano, estes problemas são frequentemente corrigidos apenas após muito trabalho.

  • Resultados anômalos são frequentemente responsáveis por mudanças fundamentais no pensamento científico. Entretanto, a maior parte dos resultados anômalos terminam por serem explicados de uma maneira muito mais simples (como no caso em questão, ou o caso do satélite MSU há alguns anos).


Cientistas que trabalham num determinado campo de atividades desenvolvem uma certa intuição a respeito de como as coisas ‘funcionam’. Esta intuição vem de um certo faro, um profundo conhecimento teórico, resultados robustos de modelos, uma longa experiência com observações, etc. Novos resultados que caem fora dos padrões pré-estabelecidos freqüentemente enfrentam dificuldades para serem aceitos, mas se eles são sólidos e obtêm apoio subseqüente, eles geralmente são incorporados. Mas aquela intuição é também muito boa para detectar resultados que simplesmente não se encaixam. Quando isto acontece, cientistas gastam muito tempo pensando no que pode ter dado errado – com os dados, a análise, o modelo ou a interpretação. Geralmente é recompensador não emitir nenhum julgamento até que este processo tenha terminado.

Fonte: RealClimate

quarta-feira, 18 de abril de 2007

O Álcool Brasileiro no Conselho de Segurança da ONU

Passou despercebida esta pequena nota publicada no edição de hoje (18 de abril de 2007) do Estadão. Na nossa opinião, entretanto, ela demonstra de modo cristalino a enorme importância que os EUA estão dando à questão da utilização do alcool brasileiro. Se o Brasil souber aproveitar de modo inteligente (isto é, sem destruir a Amazônia, o que resta do Cerrado, etc) esta oportunidade única poderemos finalmente deixar para trás 500 anos de subdesenvolvimento.

"O Conselho de Segurança da ONU debateu ontem mudanças climáticas pela primeira vez. O encontro foi marcado por divergências entre o Reino Unido e a China, que insiste que o órgão não tem competência para lidar com o tema. Segundo os britânicos, a falta d'água que deverá se agravar com o aquecimento da Terra é uma ameaça à segurança mundial. Os EUA, que relutam em debater a questão, citaram o acordo do álcool com o Brasil como uma de suas principais ações na área."

terça-feira, 17 de abril de 2007

Nova Cobertura de Satélite na América do Sul Auxiliará Limitar Efeitos de Desastres Naturais

Sul-americanos e milhões do hemisfério oeste estão sendo beneficiados pela reposição do satélite GOES-10 da NOAA designado para auxiliar a diminuição dos efeitos de desastres naturais na região. Foi recentemente anunciado o sucesso no lançamento do satélite já em órbita.


Imagem do satélite da NOAA GOES-10 para o monitoramento da América do Sul. (Crédito: NOAA)

"O reposicionamento do GOES-10 fornece vigília constante sobre as condições atmosféricas que disparam situações de tempo severas, e estou satisfeito que os Estados Unidos podem fortalecer a qualidade e a quantidade de dados disponíveis aos nossos parceiros da América Latina," afirmou o Vice-Almirante da reserva da Marinha Americana Dr. Conrad C. Lautenbacher, subsecretário de comércio para os oceanos e atmosfera da administração da NOAA.

A mudança do GOES-10 é parte do emergente GEOSS nas Américas, uma iniciativa do Hemisfério Oeste designada p-ara avançar os Sistemas de Sistemas de Observação Global da Terra, ou GEOSS (sigla em inglês). Através dessa empreitada, a NOAA explora parcerias com países e organizações científicas nas Américas e no Caribe para compartilhar observações da Terra e desenvolver e fortalecer redes de dados. Nações do Hemisfério Oeste irão trabalhar juntas para assegurar que os dados do satélite sejam disseminados e treinamento será disponível para tornar o uso completo dessa nova informação.

"O satélite está funcionando bem e pronto para a estação de furacões," disse o Dr. Gilberto Câmara, Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) no Brasil. "No passado, a cobertura tinha que ser interrompida durante furacões e outros eventos de tempo severos nos Estados Unidos. Agora os sul-americanos irão dispor de uma cobertura contínua do satélite. Não seremos mais deixados no escuro."

Os satélites GOES da NOAA orbitam o Equador da Terra a uma velocidade que equivale à da rotação do planeta, permitindo a eles manterem-se suspensos numa mesma posição. Eles fornecem aos cientistas medições do tempo detalhadas e imageamento freqüente usados para desenvolver previsões de curto-prazo que ajudam a proteger a vida e o suporte à vida. Na América do Sul, a nova cobertura do satélite já tem mostrado impactos. No dia 8 de março, por exemplo, a Argentina conseguir traçar o desenvolvimento de baixa pressão e então precisamente anunciar um alerta de fortes chuvas que ajudaram a salvar várias vidas em Buenos Aires e outras áreas densamente povoadas. A nova cobertura também tem contribuído para otimizar a detecção de incêndios na floresta amazônica no oeste do Brazil.

Além disso, o GOES-10 está fornecendo à América do Sul imagens do sistema da atmosfera duas vezes mais freqüente que antes. A América do Sul agora recebe coberturas ainda mais ao sul, mais próximas do Pólo Sul, com imagens a cada 15 minutos. A História tem provado que há uma necessidade vital para o melhoramento de avisos que essa informação adicional deverá fornecer. Durante os anos da década de 90 no século passado na América do Sul, os desastres naturais causaram aproximadamente 70 mil mortes, e mais da metade ocorreram por inundações. Tempestades, ciclones, furacões e deslizamentos de terra causaram outros 20% das mortes. Em Maio de 2003, a maior inundação em 500 anos atingiu a região norte-central da Argentina, refugiando mais de 100 mil pessoas e causando prejuízos de 1 bilhão de dólares.

No Hemisfério oeste, nove países estão trabalhando com parceiros globais para consolidar o GEOSS, incluindo Argentina, Brasil, Belize, Canadá, Chile, Honduras, México, Paraguai and os Estados Unidos. Mais países deverão integrar a parceria no fim do ano. Nos Estados Unidos, 15 agências federais e três secretarias da Casa Branca estão engajados no desenvolvimento da componente americana do GEOSS. O objetivo da integração de sistema dos sistemas é fornecer obervações da Terra compreensíveis, coordenadas e sustentadas de milhares de instrumentos ao redor do mundo, transformando os dados adquiridos em uma gama de benefícios sociais que estendem à saúde pública, energia, agricultura, clima e previsão de tempo, entre outros.

Nota: Esta história foi adaptada de uma notícia da National Oceanic & Atmospheric Administration (NOAA). Adaptado de Science Daily.

sábado, 14 de abril de 2007

Surgimento e Desaparecimento de Climas Devido ao Aquecimento Global

O clima é a principal influência na distribuição de espécies e no funcionamento de ecossistemas. Assim, o desaparecimento de climas atuais e o surgimento de novos padrões climáticos no futuro podem ter profundas conseqüências ecológicas. John Williams e colaboradores, das Universidades de Wisconsin e Wyoming, em trabalho publicado nos Proceedings of the National Academy of Sciences (03 de abril de 2007), procuraram prever a distribuição de novos climas bem como daqueles em vias de desaparecimento em 2100, utilizando os cenários de emissões A2 e B1 do recente relatório do IPCC. No cenário A2 (extremo), 39% e 48% da superfície terrestre vão experimentar um novo clima ou um clima em extinção, respectivamente. Mudanças climáticas no cenário B2 (moderado) afetariam 20% do planeta, em ambos os casos.

Novos climas surgirão nas regiões tropicais e subtropicais, com as maiores mudanças previstas para as florestas úmidas da Amazônia e da Indonésia. Em contraste, o desaparecimento de climas se concentrará nas montanhas tropicais, como os Andes peruanos e colombianos, e nas regiões continentais mais próximas dos pólos, áreas anteriormente identificadas como hot-spots de biodiversidade. Williams et al observam que estes climas novos e em desaparecimento devem aumentar a extinção de espécies, promover a formação de novas associações de espécies e desafiar as tentativas de previsão de impacto ecológico.

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Brasil Terá Rede de Pesquisa Sobre Mudanças Climáticas

“O ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, afirmou no dia 5 de abril que o governo deve criar em 30 dias uma rede de instituições de pesquisas para subsidiar as decisões brasileiras contra as mudanças climáticas.

“Essa rede vai envolver pesquisa em vários temas de mudanças climáticas e vamos produzir resultados que vão contribuir para que o país possa tomar decisões em termos de contribuir para o não-agravamento das condições climáticas do país”, explicou.

Segundo ele, a rede será criada por meio de decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e é uma das medidas do plano nacional de combate às mudanças climáticas. A posposta está sendo elaborada por representantes dos Ministérios do Meio Ambiente, da Ciência e Tecnologia, e das Relações Exteriores.”

Juliana Andrade/Agência Brasil

Matéria Completa Aqui

O Relatório do IPCC: A Mudança do Clima Deve Ser Muito Forte na América Latina E no Caribe

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) finalizou sua avaliação do presente e dos futuros impactos da mudança do clima, e concluí que rios, lagos, fauna, geleiras, zonas litorais e muitos outros elementos do ambiente físico natural em todo o mundo mostram os efeitos distinguíveis de aquecimento global causado pelo ser humano.

A respeito da América Latina (AL), uma região altamente heterogênea em termos de clima, ecossistemas, distribuição da população humana e tradições culturais, os relatórios do IPCC declaram que eventos extremos altamente raros desde 1992 e até agora em várias regiões da AL, com impactos negativos nas populações, têm aumentado a mortalidade e a morbidez nas áreas afetadas.

A conclusão do IPCC informa que na AL e no Caribe há várias evidências de aumentos em eventos extremos climáticos e mudança de clima, e que a freqüência de eventos extremos de clima e tempo seja bem possível de aumentar.

Em 2050, a população na AL pode chegar a ser 50% maior que em 2000, e a migração do interior de países às cidades continuará.

As previsões de mudanças devem muito provavelmente afetar severamente vários ecossistemas e setores pela:

* Diminuição da diversidade de espécies de plantas e animais, e mudança da composição de ecossistemas e distribuição de biomassa.

* Derretimento das geleiras tropicais no futuro próximo (2020-2030).

* Redução da disponibilidade de água e da geração de hidreletricidade.

* Desertificação e aridez crescentes.

* Ação severamente negativa sobre as pessoas e seus recursos e atividades econômicas em regiões litorâneas.

* Aumento de pragas e doenças em agroecossistemas.

* Mudança na distribuição de doenças humanas e emergência de novas.

Questões chaves:

Mudança climática e variabilidade

Eventos extremos têm afetado severamente a região da AL em anos recentes. Durante as últimas décadas, mudanças importantes na precipitação e aumentos de temperatura foram observados, e o aquecimento médio projetado para a AL no fim do século, de acordo com diferentes modelos de clima, varia de 1 a 4° C ou 2° a 6°.

Um aumento de temperatura em aproximadamente 1°C na América Central e na América do Sul, e de 0,5° no Brasil foi registrado. Sobre as três décadas passadas, a AL foi submetida a impactos relacionados ao clima como o aumento da ocorrência de El Niños. Dois episódios extremamente intensos do fenômeno El Niño (1982-83 e 1997-98) e outros aumentos de extremos climáticos ocorreram durante este período, contribuindo fortemente à vulnerabilidade de sistemas humanos a ocorrência de desastres naturais (inundações, secas, desmoronamentos).

A ocorrência de desastres ligados ao clima tem aumentado em 2,4 vezes entre os períodos 1970-1999 e 2000-2005, na tendência observada durante os anos 1990. Somente 19% dos eventos foram quantificados economicamente entre 2000 e 2005, representando perdas de perto de 20 bilhões de dólares. Além do clima e do tempo, os principais causadores do aumento da vulnerabilidade são as pressões demográficas, crescimentos urbanos não regulados, pobrezas e migrações rurais, investimentos baixos em infraestruturas e serviços, e problemas em coordenações inter-setoriais.

Os desmoronamentos são gerados por intensos/persistentes eventos de precipitação e tempestade. Além disso, na AL eles estão associados ao desflorestamento e a falta de planejamento da terra e de sistemas de alerta de desastres. Muitas cidades latino americanas, já vulneráveis aos desmoronamentos de lama, deverão muito possivelmente sofrer a acentuação de eventos extremos com crescentes riscos/perigos para as populações locais.

As comunidades mais pobres estão entre as mais vulneráveis aos eventos extremos, e algumas destas vulnerabilidades são causados pela sua localização no caminho de furacões (cerca de 8,4 milhões de pessoas na América Central), em terras instáveis, em assentamentos precários, em terras baixas, e em lugares afetados por inundações de rios.

Ecossistemas naturais

Florestas tropicais da AL, particularmente a da Amazônia, estão cada vez mais suscetíveis às ocorrências de fogo devido ao aumentado de secas ligados ao El Niño e às mudanças no uso da terra (desflorestamento seletivo e fragmentação da floresta).

Os manguezais localizados em áreas litorais de baixo nível são particularmente vulneráveis à elevação do nível do mar, das temperaturas médias, e freqüência e intensidade de furacões, especialmente no México, América Central e regiões continentais caribenhas.

O aumento de chuva no Sudeste-Sul do Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina e em algumas partes de Bolívia tem impactos no uso de terra, no rendimentos de colheitas e no aumento da freqüência e intensidade de inundações. Por outro lado, uma tendência de queda na precipitação foi observada para o sul do Chile, sudoeste da Argentina, sul do Perú, e na América Central ocidental.

Em relação à terra, o relatório de IPCC diz que "quase três quartos da superfície terrestre deverão ser moderada ou severamente afetados por processos de degradação". Os efeitos combinados de ação humana e mudança do clima deverá resultar num declínio contínuo da cobertura natural da terra que continua a diminuir em taxas muito altas. Há evidências de que a queima de biomassa pode mudar as temperaturas regionais e as precipitações na parte sul da Amazônia. A queima de biomassa também afeta a qualidade regional de ar, com implicações na saúde humana.

Agricultura

O impacto do ENSO (Oscilação Sul do El Niño) e a variabilidade relacionada ao clima no setor agrícola foram bem documentados no IPCC (2001). Resultados mais recentes incluem altos (baixos) rendimentos de trigo durante eventos de La Niña (El Niño) em Sonora, México.

Em 1990, a área total de floresta na AL era 1.011 Mha, e foi reduzida em 46,7 Mha em dez anos (UNEP 2003a). A expansão da fronteira agrícola, o gado, corte de árvores, financiamento de projetos de grandes escala como construção de represas para a geração de energia, colheitas ilegais, construção de estradas e aumentos de mercados comerciais foram as causas principais de desflorestamento (FAO, 2001a).

As mudanças de uso de terra intensificaram o uso de recursos naturais e acentuou muitos dos processos de degradação de terra. Por volta de 2050, 50% das terras agrícolas serão muito possivemente submetidas à desertificação e salinização, afetando 17 % das terras agrícolas na AL e na zona caribenha (FAO, 2004a). Além disso, os efeitos combinados de mudança do clima e mudança do uso da terra para a produção de alimentos são relacionados a uma maior degradação de terras e uma mudança nos padrões de erosão (FAO, 11 2001b).

No entanto, algumas medidas adaptativas como mudanças no habitual uso de terra, gerenciamento sustentável, mecanismos de seguros, irrigação, adaptação genotípica e mudanças no manejo de colheitas, deverão ser implementados no setor agrícola para enfrentar a mudança do clima. A diversificação econômica também, tem sido muito empregada como uma estratégia para administrar riscos (tanto climáticos como de mercados) e mostrou um sensível aumento em anos recentes.

Vários estudos usando modelos de simulação de colheitas e cenários futuros de clima foram executados na AL para safras anuais comerciais.

De acordo com uma avaliação global, se os efeitos do CO2 não são considerados, as reduções de rendimentos de grãos podem alcançar até 30% em 2080 sob o cenário mais quente, e há possibilidades de surgir cerca de 5, 26 e 85 milhões de pessoas famintas em 2020, 2050 e 2080, respectivamente; o Relatório do Banco Mundial (2002a) atesta que alguns países em desenvolvimento devem diminuir em 4-8% seu Produto Interno Bruto (PIB) por perda de produção e de capital ligada à degradação ambiental.

A exigência de água para irrigação deverá crescer num clima mais quente, trazendo aumento de competição entre agricultura e abastecimento de água, assim como indústrias, tornando a prática agrícola mais cara. Sob condições de secas severas, as práticas agrícolas impróprias (desflorestamento, erosão, uso abusivo de agentes químicos) deteriorará a quantidade e a qualidade de águas superficiais e subterrâneas.

Reduções generalizadas de rendimentos de arroz em 2020, assim como aumentos nos rendimentos de grão de soja são possíveis quando os efeitos do CO2 são considerados. Por outro lado, o gado e produtividade de leite devem diminuir em resposta às temperaturas crescentes.

Recursos hídricos

Em termos globais, a AL é reconhecida como uma região com grandes recursos de água doce. No entanto, a distribuição espacial e temporal irregular destes recursos afeta sua disponibilidade e qualidade em regiões diferentes.

A hidroenergia é a fonte principal de eletricidade para a maioria dos países da AL, mas é muito vulnerável às anomalias persistentes de larga escala das chuvas. Uma combinação de crescente demanda de energia e secas causaram um virtual colapso de hidrelectricidade na maioria do Brasil em 2001, o que contribuiu para uma redução do PIB em 1,5%.

Quase 13,9% da população na AL não tem nenhum acesso a abastecimento de água tratada, e 63% vive em áreas rurais (IDB, 2004). Muitas comunidades rurais contam com recursos limitados de água doce (superficial ou subterrânea) e muitos contam com água de chuva, usando métodos agrícolas que são muito vulneráveis às secas (IDB, 2004)

As vulnerabilidades atualmente observadas em muitas regiões de países da AL deverão aumentar pelo efeito negativo em conjunto de demandas crescentes devido a taxa de crescimento da população que necessita de abastecimento de água e irrigação de lavouras, e as condições esperadas de seca em muitas bacias hidrográficas. Portanto, levando em conta o número de pessoas que devem experienciar tensões sociais devido a queda da disponibilidade de água, há ainda um saldo positivo nos números de pessoas que deverão sofrer ainda mais com a falta de água.

A tendência de redução de geleiras informado no IPCC (2001) está se acentuando, atingindo níveis críticos na Bolívia, Perú, Colômbia e Equador. Estudos recentes indicam que a maioria das geleiras sul americanas da Colômbia ao Chile e da Argentina (até 25ºS) reduzem drasticamente seu volume em ritmo acelerado. As mudanças na temperatura e umidade são as causas primárias para a redução observada nas geleiras durante a metade do século XX nos Andes tropical. Para os próximos 15 anos, as geleiras inter-tropicais deverão muito provavelmente desaparecer, afetando a disponibilidade de água e a geração de hidreletricidade.

A falta de estratégias de adaptação na AL para enfrentar os perigos e riscos de inundações e secas é devido ao baixo PIB, a crescente população localizada em áreas vulneráveis (inundação, desmoronamento, seca) e a falta de estrutura tecnológica (fracamente desenvolvida), institucional e política. Não obstante, algumas comunidades e cidades organizaram-se, tornando-se mais ativas em relação à prevenção de desastres.

O crescimento urbano acelerado, o aumento da pobreza e o baixo investimento em abastecimento contribuirá para 1) a falta de água em muitas cidades, 2) níveis altos de população urbana sem acesso a serviços de saneamento, 3) ausência de estações de tratamento, que contribui para a poluição de águas subterrâneas, 4) falta de sistemas urbanos de drenagem, que retém esgotos usados em tratamento do lixo doméstico, e 5) ocupação da planície de inundação sem controle durante estações de seca, e fortes impactos durante estações de inundação.

Por volta de 2020 o aumento do saldo líquido do número de pessoas experimentando tensão social por falta de água devido a mudança do clima pode chegar entre 7 e 77 milhões. Para a segunda metade do século, estes números podem alcançar entre 60 e 150 milhões.

Litorais

O aumento esperado na elevação do nível do mar, a mudança de tempo e clima extremos devem afetar as áreas litorais. Durante os últimos 10-20 anos, a taxa de elevação do nível do mar aumentou de 1 a 2-3 mm/ano no sudeste da América do Sul. Em particular, a elevação do nível do mar deve afetar os recifes de corais do México, Belize e Panamá, e a situação de estoques de peixe no sudeste do Pacífico (litoral do Perú e Chile).

Litorais de vários países da AL (ou seja, parte de Argentina, Brasil, Belize, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guiana, México, Panamá, El Salvador, Uruguai, Venezuela) e grandes cidades (Buenos Aires, Rio de Janeiro, Recife, etc.) estão entre os mais vulneráveis a mudança do clima e aos eventos hidro-meteorológicos extremos tal como chuva, tempestades e ciclones tropicais e subtropicais (furacões). A elevação do nível do mar (dentro do intervalo 10-20 cm/século) não é um problema principal ainda (apesar de que esse intervalo possa ser muito maior), e há evidências de aceleração da taxa de elevação do nível do mar (até 2-3 mm/ano) sobre a década passada que sugere um aumento na vulnerabilidade de litorais, já submetidos a tempestades crescentes.

Adaptação

Vários países da AL desenvolveram medidas autônomas e planejadas de adaptação em resposta aos impactos atuais de mudança do clima em seus litorais. A maioria deles (i.e., Argentina, Colômbia, Costa Rica, Uruguai e Venezuela) focalizam sua adaptação na gerência integrada do litoral. O projeto ‘Planejando o Caribe para Adaptação a Mudança do Clima Global’ promove ações para avaliar a vulnerabilidade (especialmente concernente ao crescimento do nível do mar), e planos para adaptação e desenvolvimento de soluções apropriadas (CATHALAC, 2003). Desde 2000, alguns países têm melhorado a estrutura legal em questões relacionadas para estabelecer restrições de poluição do ar e para a regulamentação integrada do litoral e do mar.

Em Belize e na Guiana, a implementação de planejamento do uso da terra e imposto fortalece normas de infraestrutura, para um plano de gestão da zona litorâneas, para o ajuste de códigos de edifificações e melhores estratégias de mitigação de desastres (incluindo inundações e outros perigos) associados com considerações de mudança do clima na gestão cotidiana de todos os setores.

Impactos significativos da projetada mudança do clima e elevação de nível do mar são esperados para 2050-2080 nas áreas litorâneas da AL. A maioria da população, atividades econômicas e infraestrutura localizam-se próximo ao nível do mar e devem muito provavelmente sofrer inundação e erosão com altos impactos sobre as pessoas, recursos e atividades econômicas.

Quanto a turismo no litoral, os países mais impactados devem ser aqueles em que essa atividade seja significativa no PIB, onde o equilíbrio de pagamento e emprego é relativamente alto, e são ameaçados por tempestades e pela elevação do nível do mar, tais como o litoral caribenho da América Central e as praias da América do Sul e do Uruguai. Assim, a mudança do clima deve ser um desafio importante para todas nações da AL com litorais.

Saúde humana

Com o El Niño (seca/quente) há um risco de malária epidêmica em regiões litorâneas da Colômbia e Venezuela. As secas favorecem o desenvolvimento de epidemias na Colômbia e Guiana, enquanto a inundação gera epidemias na região litoral no norte do Perú. Variações anuais em febre hemorrágica de dengue em Honduras e na Nicarágua devem ser relacionadas às flutuações do clima (temperatura, umidade, radiação solar e chuva). Em algumas áreas litorâneas do Golfo do México, um aumento de temperatura de superfície de mar (SST), temperatura mínima e precipitação foi associada com um aumento de ciclos de transmissão de dengue.

As avaliações regionais de impactos sobre a saúde devido a mudança do clima nas Américas mostram que os interesses principais são o estresse ao calor, malária, dengue, cólera e outras doenças ligadas a água. A malária continua a apresentar um risco sério de saúde na AL, onde 262 milhões de pessoas (31% da população) vivem em regiões subtropicais e tropicais com algum risco potencial de transmissão.

A mudança de clima deve aumentar o risco de incêndios florestais. Em alguns países, fogos naturais e incêndios intencionais de florestas foram associados com o aumento de visitas de pacientes com doenças respiratórias e risco de aumento de problemas de respiração.

Perdas altamente raras de ozônio e aumentos de radiação UV-B que ocorreram em áreas de Punta Arenas (Chile) nas duas décadas passadas resultaram numa repetida exposição da população a um espectro solar alterado de UV capaz de produzir eritrema e fotocarcinogênese.

Biodiversidade

Sob a mudança futura do clima, há um risco de extinções significativas de espécies em muitas áreas de AL tropical. Desde 1980, aproximadamente 20% dos manguezais do mundo desapareceram (FAO, 2006) afetando a pesca. Nos recifes de corais da América Central há até 25 vezes mais peixe de algumas espécies em recifes próximos a áreas de mangue que em áreas onde os mangues já foram destruídos.

Corredores ecológicos entre áreas protegidas foram planejados para a manutenção da biodiversidade em ecossistemas naturais. Alguns destes, tal como o Corredor Biológico da América Central, foi implementado servindo também como medidas de adaptação.

Os esforços de conservação também deveriam ser dedicados à implementação de corredores de proteção contendo mangues, bancos de plantas marinhas, e recifes de corais que mantém a abundância de peixe em recifes, beneficiando comunidades de pesca de local, e contribuindo para o desenvolvimento sustentável. Outras práticas positivas na região são orientadas a manter e restaurar ecossistemas nativos, protegendo e aumentando os serviços (ecológicos) dos ecossistemas, como a captura de carbono no Projeto de Ação do Clima do Mercado de Noel Kempff na Bolivia. A conservação da biodiversidade e a manutenção de estrutura e função de ecossistemas são importantes para estratégias de adaptação de mudança do clima devido à proteção de populações geneticamente diversas e ecossistemas ricos em espécies; um exemplo é a iniciativa de implementar medidas de adaptação em regiões altas de montanha na Colômbia e em outros países dos Andes. Uma nova opção de promover a conservação de florestas montanhosas consiste em compensar proprietários de florestas pelos seus serviços ao ambiente. A compensação é freqüentemente financiada por cobrar um preço pequeno sobre o uso das águas que foram originadas nas florestas. Tais esquemas estão sendo implementado em vários países de AL e foram testados na Costa Rica.

Cenários

Os cenários derivados de modelos do clima global (GCMs) são comumente olhados em escala detalhada usando abordagens estatísticas ou dinâmicas para gerar cenários regionais ou locais.

Os cenários de escala detalhada podem revelar fenômenos de menor escala associados com características topográficas ou sistemas meteorológicos e mudanças no uso da terra, mas, em geral, a incerteza associada aos diferentes GCMs é muito dominante nos cenários de escala detalhada. Estudos bem atuais de mudança do clima, no entanto, indicam que a freqüência na ocorrência de eventos extremos aumentará no futuro.

Medidas urgentes devem ser tomadas para ajudar em considerações sociais e do ambiente nas margens das estratégias de desenvolvimento, e esforços multidisciplinares importantes de pesquisa são exigidos para reduzir as lacunas de informação necessária para a formulação de decisão.

Se preparar para os desafios a essa mudança do clima impõe a região prioridades de pesquisa para resolver as limitações já identificadas e encarar a variabilidade atual de clima e as tendências, tal como: falta de consciência, de sistemas de observação confiáveis bem distribuídos, de sistemas de monitoramento adequados e capacidades técnicas, de investimentos e créditos para o desenvolvimento de uma infraestrutura em áreas rurais, de avaliações integradas, principalmente entre setores com estudos limitados sobre os impactos econômicos da presente e futura mudança do clima, e de estudos específicos dos impactos de mudança do clima nas sociedades, incluindo a falta de prioridades claras no tratamento de temas para a região como um todo.

Além do mais, outras prioridades considerando a mudança do clima são reduzir as incertezas em projeções futuras e avaliar os impactos de diferentes opções de políticas para reduzir a vulnerabilidade ou aumentar a capacidade de adaptação. Nós também devemos mudar a atitude de planejar para uma de implementação de sistemas eficientes de observação e alerta. Uma mudança necessária deverá ser migrar de uma cultura de resposta para uma cultura de prevenção.

Nota: Esta matéria foi adaptada de uma notícia emitida pelo Programa Ambiental da Organização das Nações Unidas. Este documento foi traduzido e adaptado do ScienceDaily.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Os números do nível do mar do IPCC

O aumento do nível do mar publicado no novo relatório do IPCC (o Quarto Relatório de Avaliação, AR4) já tem causado confusão considerável. Muitos artigos da mídia sugerem que há boas notícias sobre a questão do nível do mar, com previsões muito menores de aumento do nível do mar comparadas às previsões do relatório anterior do IPCC (o Terceiro Relatório de Avaliação, TAR). Alguns artigos reportam que o IPCC reduziu a projeção para o aumento do nível do mar de 88 para 59 cm, enquanto outros dizem que tal projeção teria sido reduzida de 88 para 43 cm, e existem muitas outras versões também (veja "Ampla Ironia"). Tais declarações são incorretas dado que o novo valor de até 59 cm não representa sequer toda a estória. Aqui tentarei clarear o que o IPCC de fato quer dizer e como esses números são derivados. (Mas caso prefira pular os detalhes, vá direto para a crítica ou a última linha).

O que o IPCC diz?

O Sumário para Tomadores de Decisão (SPM) lançado no ultimo mês fornece a seguinte tabela de projeções para o aumento do nível do mar:


Aumento do Nível do Mar
(em metros para 2090-2099
relativo a 1980-1999)
Caso Intervalo baseado em modelo
excetuando-se rápidas mudanças
futuras no fluxo de gelo
Cenário B1 0.18 – 0.38
Cenário A1T 0.20 – 0.45
Cenário B2 0.20 – 0.43
Cenário A1B 0.21 – 0.48
Cenário A2 0.23 – 0.51
Cenário A1FI 0.26 – 0.59

É desta tabela que sai o usualmente citado intervalo de 18 a 59 cm. O texto que acompanha a tabela diz:

• Projeções baseadas em modelos da elevação do nível do mar no final do século XXI (2090-2099) são mostradas na Tabela SPM-3. Para cada cenário, o ponto médio do intervalo na Tabela SPM-3 situa-se dentro de 10% da média do modelo do TAR para 2090-2099. Os intervalos são mais estreitos que no TAR principalmente devido às melhorias na informação sobre algumas incertezas nas contribuições projetadas15. {10.6}.

nota de rodapé 15: As pojeções no TAR foram feitas para 2100, enquanto que as projeções desse relatório são para 2090-2099. O TAR deveria apresentar intervalos similares aos da Tabela SPM-3 se as incertezas tivessem sido tratadas da mesma maneira.

• Os modelos atuais não incluem incertezas do feedback climático do ciclo do carbono e tão pouco incluem efeitos completos das mudanças dos fluxos das placas de gelo, dado que ainda faltam fundamentos publicados na literatura. As projeções incluem uma contribuição devido ao aumento do fluxo de gelo da Groenlândia e Antártica em taxas observadas para 1993-2003, mas tais taxas de fluxo poderiam aumentar ou diminuir no futuro. Por exemplo, se essa contribuição crescer linearmente com a mudança da temperatura média global, os intervalos superiores da elevação do nível do mar nos cenários SRES (Relatório Especial dos Cenários de Emissão do IPCC) mostrados na Tabela SPM-3 deveriam aumentar em 0.1 m a 0.2 m. Valores maiores não podem ser excluídos, mas o conhecimento desses efeitos é muito limitado para avaliar suas probabilidades ou fornecer uma melhor estimativa ou um limite superior para o aumento do nível do mar. {10.6}

• Se a forçante radiativa fosse estabilizar em 2100 em níveis estimados no cenário A1B, a expansão térmica somente levaria a um aumento do nível do mar de 0.3 a 0.8 m em 2300 (relativo a 1980–1999). A expansão térmica continuaria por muitos séculos, devido ao tempo requerido para transportar calor para o oceano profundo. {10.7}

• A contração da camada de gelo da Groenlândia é projetada a continuar contribuindo para o aumento do nível o mar após 2100. Os modelos atuais sugerem que um aumento da perda de massa de gelo com a temperatura seria mais rápido do que um ganho de massa de gelo com a precipitação, e que o balanço de massa da superfície tornaria-se negativo sob um aquecimento global médio (relativo aos valores pré-industriais) excedendo 1.9 a 4.6°C. Se um balanço negativo de massa da superfície fosse sutentado por milênios, isso levaria a uma eliminação virtualmente completa da cobertura de gelo da Groenlândia e uma contribuição resultante do aumento do nível do mar ao redor de 7 m. As temperaturas futuras correspondentes na Groenlândia são comparáveis àquelas inferidas para o último período interglacial há 125 mil anos atrás, quando as informações paleoclimáticas sugerem uma redução da extensão de gelo polar e um aumento do nível do mar de 4 a 6 m. {6.4, 10.7}

• Processos dinâmicos relacionados o fluxo de gelo não incluídos nos modelos atuais mas sugeridos por recentes observações poderia aumentar a vulnerabilidade das placas de gelo ao aquecimento, aumentando a elevação do nível do mar no futuro. A compreensão desses processos é limitada e não há consenso sobre sua magnitude. {4.6, 10.7}

• Estudos atuais de modelos globais projetam que a camada de gelo Antártica pode permanecer muito fria para um amplo derretimento superficial e espera-se um ganho de massa devido a um aumento de queda de neve. Contudo, uma perda líquida de gelo poderia ocorrer se uma descarga dinâmica de gelo dominar o balanço de massa da camada de gelo. {10.7}

• Ambas as emissões antropogênicas passadas e futuras de dióxido de carbono deverão continuar a contribuir no aquecimento e na elevação do nível do mar por mais de um milênio, por conta da escala de tempo requerida para a remoção desse gás da atmosfera. {7.3, 10.3}

(Os itens acima documentam tudo que o SPM diz sobre o futuro da elevação do nível do mar. Os números entre chaves refem-se aos capítulos do relatório completo a ser divulgado em maio.)

O que está incluso nesses números de nível do mar?

Vamos olhar como esses números são derivados. Eles são constituídos de quatro componentes: expansão térmica, geleiras e camadas de gelo (excetuando-se as capas de gelo da Groenlândia e Antártica), balanço de massa de placas de gelo superficiais, e o desbalanço dinâmico das placas de gelo.

1. Expansão térmica (água oceânica mais quente ocupa maior espaço) é computada de modelos climáticos acoplados. Esses incluem modelos de circulação oceânica e podem assim estimar onde e quão rápido o aquecimento superficial penetra nos oceanos profundos.

2. A contribuição de geleiras e camadas de gelo (não incluindo Groenlândia e Antártica), por sua vez, é computada de uma simples formulação empírica que liga a temperatura média global à perda de massa (equivalente a uma taxa de elevação do nível do mar), baseada em dados observados entre 1963 e 2003. Tal formulação considera que as geleiras desaparecem vagarosamente e conseqüentemente param de contribuir – a quantidade total de geleiras remanecente seria suficiente para elevar o nível do mar em 15-37 cm.

3. A contribuição das duas maiores coberturas de gelo é dividida em duas partes. O que é chamado de balanço de massa superficial se refere simplesmente a queda de neve menos a ablação de gelo superficial (que é o derretimento somado à sublimação). Este é computado por um modelo de balanço de massa de placa de gelo superficial, com as quantidades de queda de neve e temperaturas derivados de um modelo de alta resolução da circulação atmosférica. Este cálculo não é o mesmo dos modelos acoplados usados nas projeções de temperatura do IPCC, de modo que os resultados desse modelo são ajustados para mimetizar diferentes modelos acoplados e diferentes cenários climáticos. (Um importante detalhe: esse balanço de massa superficial inclui algumas mudanças “morosas” no fluxo de gelo, mas essa é uma pequena contribuição.)

4. Finalmente, existe um outro modo pelo qual as placas de gelo podem contribuir para a elevação do nível do mar: ao invés de derreterem na superfície, podem começar a fluir mais rapidamente. Isso vem sendo observado com freqüência ao redor das bordas da Groenlândia e Antártica em anos recentes: saídas de geleiras e rios de gelo que drenam as placas de gelo têm aumentado suas vazões. Numerosos processos contribuem para isso, incluindo a remoção de conchas de gelo (i.e., gelos que flutuam sobre a água ancoradas em ilhas ou rochas submersas) ou a erosão da base da placa de gelo por água líquida fluindo pela superfície através de falhas no gelo. Tais processos não podem ainda ser adequadamente modelados, mas as observações sugerem que eles têm contribuído com 0 – 0.7 mm/ano para a elevação do nível do mar no período 1993-2003. As projeções na dada tabela assumem que tal contribuição simplesmente se mantém constante até o fim deste século.

Por exemplo, tome o cenário A1FI – este é o mais quente e por isso define os limites superiores do intervalo do nível do mar. A “melhor” estimativa desse cenário é 28 cm para a expansão térmica, 12 cm para as geleiras e -3 cm para o balanço de massa das placas de gelo – note que o IPCC ainda assume que a Antártica ganha mais massa através desse modo do que a Groenlândia perde. Adicionado a isso há um termo de acordo com (4) simplesmente baseado na premissa de que o acelerado fluxo de gelo observado em 1993-2003 se mantém sempre constante, adicionando outros 3 cm em 2095. No total, isso totaliza até 40 cm, com uma contribuição nula das placas de gelo. (Outro ponto importante: Isso representa um pouco menos do que a estimativa central de 43 cm para o cenário A1FI que foi divulgado na mídia, tirado dos primeiros rascunhos do SPM, pois estes 43 cm não eram a soma das melhores estimativas individuais para os diferentes fatores contribuintes, mas, ao contrário, era um ponto médio do intervalo das incertezas, o qual é um pouco maior quando algumas incertezas são tomadas com valores mais altos.)

Como esses números se comparam com o relatório anterior?


Elevação do nível do mar como verificado em Church e White 2006 mostrado em vermelho até o ano de 2001, junto com os cenários do IPCC (2001) para 1990-2100. Veja a segunda figura abaixo para um zoom no período de sobreposição.

O TAR mostrou curvas de elevação de nível do mar para uma gama de cenários de emissão (mostrada na Figura acima junto com novos dados obervacionais de Church e White 2006). Essa gama foi baseada em simulações com um modelo simples (o modelo MAGICC) ajustado para mimetizar o comportamento de uma gama de diferentes modelos climáticos complexos (por exemplo em termos de diferentes sensibilidades climáticas variando de 1.7 a 4.2 ºC), combinado com equações simples para um glacial e balanços de massa de placa de gelo (“esquema graus-dias”). Este intervalo baseado em modelo é mostrado como uma banda verde (legendada como “Several models all SRES envelope” na Figura 5 original do TAR SPM) e variou de 21 a 70 cm, enquanto que a estimativa central para cada cenário de emissão é mostrada como uma linha tracejada colorida. A maior estimativa central da elevação do nível do mar foi para o cenário A1FI (cor púrpura, 49 cm).

Ainda mais, as curvas tracejadas em cinza indicam incertezas adicionais no comportamento das placas de gelo. Tais linhas foram legendadas como “All SRES envelope including land ice uncertainty” no TAR SPM e ampliou o intervalo até 88 cm, adicionando 18 cm no limite superior. É preciso procurar minuciosamente no apêndice do Capítulo 11 do TAR para encontrar o que esses 18 cm extras representam: eles incluem uma “incerteza no balanço de massa” e uma “incerteza de dinâmica de gelo”, onde o último é meramente assumido como 10% da perda de massa total computada para a placa de gelo da Groenlândia. Note que tal incerteza na dinâmica de gelo foi somente incluída para a Groenlândia mas não para a Antártica; instabilidade da Placa de Gelo Oeste da Antártica, um cenário considerado “muito improvável” no TAR, foi explicitamente não incluído no limite superior de 88 cm.

Como mencionamos em nossa postagem sobre a divulgação do SPM, seria comparar maçãs e laranjas ao dizer que o IPCC reduziu o limite superior do nível do mar de 88 cm para 59 cm, a medida em que o primeiro incluiu “a incerteza da dinâmica do gelo” (muito embora somente para a Groenlândia, pois mudanças rápidas do fluxo de gelo na Antártica foram consideradas muito improváveis para preocupar naquele tempo), enquanto que o segundo discute essa incerteza do fluxo de gelo separadamente no texo, declarando que isso poderia adicionar 10 cm, 20 cm ou ainda mais aos 59 cm da tabela.

Assim seria melhor comparar o intervalo baseado em modelo de 21 - 70 cm do TAR com o 18 - 59 cm do AR4? Mesmo isso seria comparar maçãs com laranjas. Para um, o TAR cita a elevação até o ano 2100, o AR4 até o período 2090-2099, assim faltam os últimos cinco anos (ou 5.5 anos, mas não sejamos pedantes) da elevação do nível do mar. Para 2095, a projeção do TAR reduz de 70 cm para 65 cm (a estimativa central para o cenário A1FI reduz de 49 cm para 46 cm). Também, o intervalo do TAR é um intervalo de 95% de confiança, já o intervalo AR4 é mais estreito para um intervalo de confiança de 90%. Dados os números do TAR também como intervalos de 90% remove outros 3 cm do limite superior final.

Parece complicado? Existem outras diferenças mais técnicas... mas irei poupar-lhes disso. A reunião de Paris do IPCC já discutiu o pedido de alguns delegados de fornecer uma comparação direta dos números do AR4 e do TAR, mas desistiram de fazer isso detalhadamente por ser muito complicado. O resultado foi duas declarações:

O TAR deveria ter intervalos similares aos da Tabela SPM-3 se ele tivesse tratado as incertezas da mesma maneira.

e

Para cada cenário, o ponto médio do intervalo na Tabela SPM-3 está dentro de 10% da média do modelo TAR para 2090-2099.

(Na verdade, foi dito aos delegados pelos autores do IPCC em Paris que com os novos modelos AR4, as estimativas centrais de cada cenário seriam um pouco maiores que aquelas dos velhos modelos, se os números são reportados de forma comparável.)

A última linha mostra então que os métodos têm sido significativamente melhorados (razão por detrás de todos essas mudanças metodológicas), mas a expectativa de quanto o nível do mar irá subir no século que virá não mudou muito. A maior mudança é que a dinâmica das placas de gelo parecem mais incertas agora que no tempo do TAR, que é a razão para que esta incerteza não seja mais inclusa nos intervalos citados, mas sim discutida separadamente no texto.

Crítica - Poderiam esses números subestimar a futura elevação do nível do mar?

Existem várias discussões importantes sobre os números do nível do mar.

O primeiro é o tratamento das mudanças rápidas potenciais no fluxo de gelo (item 4 da lista acima). O AR4 aponta que as placas de gelo têm recentemente perdido massa (o período de análise é 1993-2003). A Groenlândia tem contribuído com +0.14 a +0.28 mm/ano para a elevação do nível do mar sobre esse período, enquanto que para a Antártica a incerteza varia de -0.14 a +0.55 mm/ano. É observado que a perda de massa da Antártica é predominante ou inteiramente devido às recentes mudanças do fluxo de gelo. A questão então é: Quanto esse processo irá contribuir para o futuro da elevação do nível do mar? A resposta honesta é: nós não sabemos. Como o SPM declara, pelo ano 2095 poderia ser 10 cm. Ou 20 cm. Ou mais. Ou menos.

O IPCC incluiu uma suposição no 'intervalo baseado em modelo' dado na tabela: tal suposição toma metade da perda de massa da Groenlândia e toda a perda de massa Antártica para 1993-2003, e assume que as perdas se manteriam sempre constantes até 2100. Essa permissa na minha visão não tem embasamento científico, pois o fluxo de gelo é quase que certamente muito variável no tempo. O relatório por si só declara que tal perda de gelo seja devida a uma aceleração recente do fluxo, e que em 2005 já era bastante alta, e no futuro os números poderiam ser várias vezes maior – ou poderiam ser menores. Incluindo um número fundamentalmente deficiente no intervalo 'baseado em modelo' degrada estimativas muito mais confiáveis para a expansão térmica, geleiras de montanhas e balanço de massa. Ainda pior: para os números com estimativas de erro, é adicionado um número sem uma estimativa apropriada de erro (a incerteza observada para 1993-2003 é incluída, mas quem asseguraria que esta seja válida para futuras mudanças no fluxo de gelo?). E então são apresentadas somente as margens de erro combinadas – você pode notar que nenhuma estimativa central é fornecida na tabela acima. Se eu tivesse apresentado isso como um erro de cálculo numa lição de casa no primeiro semestre de física, duvido que eu conseguiria escapar disso. A delegação alemã em Paris (da qual sou membro) então sugeriu tirar a estimativa do fluxo de gelo do intervalo tabulado. Os números se tornariam um pouco menores, mas esta abordagem não mesclaria níveis muito diferentes de incerteza, e ficaria claro o que estaria incluso na tabela e o que não estaria (as mudanças de fluxo de gelo), ao invés de tentar incluir parcialmente mudanças nos fluxos de gelo. Tais mudanças teriam sido discutidas no texto – dizendo que nas taxas de 1993-2003, tal termo poderia contribuir com 3 cm em 2095, mas esse valor poderia mudar para 10 cm ou 20 cm ou mais. Todavia, não encotramos nenhum suporte para esta proposta, a qual não teria mudado a Ciència de maneira alguma, mas melhorado a claridade da apresentação.

Como está agora, devido à forma complexa e obscura da combinação dos erros, até mesmo eu não poderia dizer por quanto o limite superior de 59 cm seria reduzido se a questionável estimativa fosse removida, e uma das razões para que os autores do IPCC não adotassem nossa proposta foi a de que os números não poderiam ser calculados rapidamente.

Um segundo problema com o intervalo acima é que os modelos usados para derivar as projeções subestimam significativamente a elevação do nível do mar em tempos pretéritos. Tentamos em vão fazer isso ser mencionado no SPM, de modo que você teria que ir ao relatório principal para encontrar essa informação. O AR4 declara que para o período 1961-2003, os modelos sobre as médias fornece uma elevação de 1.2 mm/ano, enquanto que os dados mostram 1.8 mm/ano, i.e. um crescimento 50% mais rápido. E isto sem considerar a taxa de perda de placa de gelo (0.19 mm/ano) nos números 'modelados' nesta comparação. Se assim fosse, a discrepância seria ainda maior – os modelos de placa de gelo prevèm que as placas de gelo ganhariam massa em função do aquecimento global. A comparação parece um pouco melhor no período de 1993-2003, para o qual os modelos fornecem uma elevação de 2.6 mm/ano enquanto os dados fornecem 3.1 mm/ano. Mas de novo as estimativas de 'modelos' incluem uma observada perda de massa de gelo de 0.41 mm/ano enquanto os modelos de placas de gelo fornecem um ganho de massa de 0.1 mm/ano para esse período; considerando isso, a elevação observada é de novo 50% mais rápida do que as melhores estimativas de modelos para esse período. Esta subestimativa persiste dos modelos do TAR (veja Rahmstorf et al. 2007 e Figura abaixo) – isso não é uma surpresa, desde que os novos modelos dão essencialmente os mesmos resultados dos modelos antigos, como discutido acima.


Comparação dos cenários do nível do mar do IPCC 2001 (com início em 1990) e dados observados: os dados de Church e White (2006) baseiam-se primariamente em estações de medição de maré (anual em vermelho) e dados de satélite altímetro (atualizado de Cazenave e Nerem 2004, dados espaçados de 3 meses, em azul, até meados de 2006) são mostrados com suas linhas de tendência. Note que a tendência de elevação do nível do mar segue a linha tracejada mais superior dos cenários do IPCC, exatamente aquela nomeada "incluindo a incerteza de gelo terrestre", veja a primeira figura.

Nós então vemos que o nível do mar parece estar subindo cerca de 50% mais rápido que os modelos sugerem - consistentemente para os períodos de 1961-2003 e 1993-2003, e para os modelos TAR e AR4. Isso pode ter diversas razões, e a discrepância poderia ser considerada insignificante dados os intervalos de erros das obervações e modelos. Não há provas de que os modelos subestimam a elevação o nível do mar. Mas há no mínimo uma possibilidade plausível de que os modelos possam subestimar a elevação futura.

Uma terceira questão de importância diz respeito ao feedback do ciclo do carbono. As projeções de temperatura fornecidas na tabela SPM-3 do Sumário para Tomadores de Decisão variam de 1.1 a 6.4 ºC de aquecimento e inclui o feedback do ciclo do carbono. A variação do nível do mar, contudo, é baseada em cenários que excluem esse feedback e assim variam somente até 4.5 5.2 ºC. Isso poderia facilmente ser mal interpretado, pois na tabela SPM-3 os intervalos de temperatura que incluem o feedback do ciclo do carbono são mostrados ao lado dos intervalos do nível do mar, mas esses últimos na verdade aplicam-se a um menor intervalo de temperatura. Como uma estimativa grosseira, sugiro que para um cenário de aquecimento de 6.4 ºC, da ordem de 20 15 cm deveria ser adicionado aos 59 cm para definir o limite superior do intervalo de elevação do nível do mar.

Um ponto final seria os aspectos regionais. Gerentes de planejamento de zonas costeiras precisam ter conciência que a elevação do nível do mar não será a mesma em todos os lugares. O AR4 mostra um mapa de mudanças regionais do nível do mar, o qual mostra que por exemplo a costa européia pode esperar uma elevação de 5-15 cm a mais que a média global de elevação – isso é uma média de modelo, não incluindo a incerteza do intervalo. O padrão nesse mapa é marcadamente similar ao que seria esperado de uma desaceleração da na circulação termohalina (veja Levermann et al. 2005) de modo que provavelmente a elevação seja dominada por esse efeito. Além disso, algumas áreas terrestres estão surgindo e outras desaparecendo em resposta ao final da última era glacial ou devido à processos antropogênicos locais (como o uso de águas subterrâneas), os quais os gerentes e tomadores de decisão devem também considerar.

A última linha

A principal conclusão dessa análise é que a incerteza do nível do mar não é menor agora que na época do TAR, e citar o intervalo de 18-59 cm para a elevação do nível do mar, como muitos artigos da mídia têm feito, não representa toda a estória. 59 cm não é infortunadamente o “pior caso”. Ele não inclui toda a incerteza das placas de gelo, a qual deveria adicionar 20 cm ou mais. Ele não cobre totalmente o 'provável' intervalo de temperatura dado no AR4 (até 6.4 ºC) – correções nesse sentido poderiam adicionar novamente cerca de 20 15 cm. Ele não considera o fato de que a elevação passada do nível do mar seja subestimada pelos modelos por razões que são pouco claras. Considerando essas questões, uma elevação do nível do mar que exceda um metro pode, no meu ponto de vista, de modo algum ser descartada. Numa análise muito diferente, baseada somente numa simples correlação da elevação do nível do mar e temperatura, eu cheguei a uma conclusão similar. Como citado nesse paper, meu ponto aqui não é que eu tenha previsto que o nível do mar será maior que o IPCC sugere, ou que as estimativas do IPCC para a elevação do nível do mar não estejam corretas. Meu ponto é que em termos de análise de risco, o intervalo de incerteza que alguém precisa considerar é na minha visão substancialmente maior que os 18-59 cm.

Um pensamento final: esta discussão tem sido sobre a elevação do nível do mar até o ano de 2095. E tal elevação não termina nesse ano, como mostra a citação do SPM no início desse artigo. Ao longo de muitos séculos, sem esforços sérios de mitigação podemos esperar muitos metros de elevação dos oceanos. O Conselho Consultivo em Mudança Global do governo alemão (elucidando: sou membro desse conselho) em seu recente relatório especial sobre oceanos tem proposto limitar a elevação do nível do mar a um máximo de um metro, como sendo uma meta a guiar a política climática. Mas isso é uma outra estória .

Atualização: Fui recém informado por um dos autores do IPCC que os cenários de intervalo de temperatura sem o feedback do ciclo do carbono varia até 5.2 ºC, e não 4.5 ºC como pensava. Este número não é encontrado no relatório do IPCC; tentei interpretá-lo de um gráfico, mas não exato o suficiente. Minhas desculpas! Os números no texto acima devem ser corrigidos e estão marcados.

Fonte: RealClimate

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Carlos A. Nobre: Brasileiros Têm de Agir Sobre Aquecimento

No dia em que cientistas em Bruxelas divulgam o relatório do IPCC sobre as conseqüências das mudanças climáticas, com previsões sobrias para o futuro, destacamos trechos de uma importante entrevista concedida ao Portal G1, pelo climatologista Carlos A. Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais:

- O senhor comentou que reduzir as emissões é uma obrigação de todos os países. As nações emergentes, como o Brasil, estão até agora relutantes em falar de reduções obrigatórias, isso é uma coisa até agora só exigida de países ricos. Por quanto tempo isso vai se manter?

Por muito pouco tempo. Não há como, pelo menos no nível de decisão política internacional, os países em desenvolvimento, principalmente aqueles que emitem muito (notadamente a China, a Índia, em terceiro lugar o Brasil, por causa dos desmatamentos na Amazônia, e mais México, África do Sul e Coréia do Sul), ficarem fora da discussão e de alguns compromissos. A Convenção do Clima é muito clara ao dizer que a responsabilidade é de todos, porém ela deve ser exercida de forma diferenciada de acordo com as possibilidades de cada país. Foi por isso que foi criado o chamado Anexo 2, que inclui os países em desenvolvimento e que não têm responsabilidade histórica porque não são os países que mais emitiram gases nos últimos 200 anos. Isso é muito claro, mas nos próximos anos certamente os países em desenvolvimento terão que assumir compromissos. E não estão claros quais serão esses compromissos. É claro que por não terem a responsabilidade histórica, não poderá ser cobrado dos países em desenvolvimento o mesmo corte que se cobra já dos países desenvolvidos. Agora alguma forma de compromisso, alguma forma de participação mundial, vai se tornar inevitável. Não há como imaginar que os países desenvolvidos fazem a lição de casa, reduzem em 50%, 60% as emissões, e os países em desenvolvimento continuam aumentando as suas emissões. O resultado final disso seria um planeta insustentável. Como fazer os países em desenvolvimento participarem é um grande desafio político que temos para resolver nos próximos anos, talvez na próxima década.

- Falando sobre as responsabilidades do Brasil, uma pesquisa recente revelou que os brasileiros, ao lado exatamente dos chineses, são o povo mais consciente dos problemas do aquecimento global. Ainda assim, como senhor mesmo lembrou, o Brasil é dos países que mais polui, devido às queimadas na Amazônia. O que precisa mudar para o brasileiro sair dessa preocupação no campo das idéias e partir para uma ação prática?

Um aspecto muito profundo, cultural, muito mais amplo que só a questão ambiental do aquecimento, que é um aprofundamento no nível da alma da cultura da democracia. O brasileiro é extremamente consciente dos perigos da perturbação ambiental, sejam as queimadas, seja o aquecimento global. A mídia brasileira tem desempenhado um papel muito importante de educação, de trazer essa questão ao debate. Mas o brasileiro tem um sentimento enorme de impotência, como ser individual. Impotência frente aos poderes, impotência frente aos governos. E isso não é da questão ambiental, isso é geral. Falta um aprofundamento democrático, que é uma transformação cultural que não é simples. Nós estamos vendo a dificuldade que é fazê-la no Brasil, nós já estamos respirando democracia desde 1985 e a população ainda não se sente dona de seu próprio destino. Eu não consigo perceber em qual escala de tempo o brasileiro vai conseguir se sentir dono de seu destino e tomar atitudes condizentes com isso. Por exemplo, para reduzir o desmatamento, é muito importante que não se compre nenhum produto da Amazônia que tenha origem em áreas ilegais ou atividades clandestinas. O brasileiro precisa se tornar um consumidor responsável, com interesse na origem dos produtos que adquire. E é uma porcentagem muito pequena da população brasileira que faz isso.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

A Sensibilidade Climática nos Últimos 420 Milhões de Anos

Entender a resposta da temperatura superficial média global a mudanças na concentração de dióxido de carbono é fundamental para interpretar mudanças no clima passado, e para predizer tendências futuras. A maior parte das estimativas do aumento da temperatura resultante da duplicação do CO2 atmosférico, a chamada ‘sensibilidade climática’, são baseadas em registros que cobrem no máximo até os últimos milênios, e portanto possuem uma aplicabilidade restrita sob diferentes condições climáticas.

Dana L. Royer e colaboradores das universidades Wesleyan e Yale (EUA) utilizam, em artigo publicado na revista Nature de 29 de março de 2007, uma nova abordagem que envolve a modelagem das concentrações de dióxido de carbono e a comparação das simulações realizadas com dados de diferentes origens, para estimar a sensibilidade climática em escalas de tempo longas. Os resultados indicam que a sensibilidade climática era quase com certeza superior a 1.5 °C. Este é um resultado consistente com estimativas anteriores baseadas em registros muito mais recentes, sugerindo tratar-se de uma característica robusta do sistema climático da Terra nos últimos 420 milhões de anos.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Aquecimento ameaça até 30% das espécies

As mudanças climáticas provocarão a extinção de muitas espécies e a redução da diversidade dos ecossistemas, de acordo com a segunda parte do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que será divulgada na sexta-feira na Bélgica. Uma prévia do documento foi obtida pela agência France Press. Cientistas que estão organizando o relatório já estão reunidos em Bruxelas. Essa segunda parte do documento - a primeira foi divulgada em fevereiro - será dedicada às conseqüências do aquecimento global.

Segundo cientistas, entre 20% e 30% das espécies estão ameaçadas de extinção durante este século, se a temperatura sofrer um aumento de 2°C a 3°C em relação a 1990. A previsão inicial do IPCC é de um aumento de 1,8°C a 4°C na temperatura até 2100. O aumento de apenas alguns décimos na temperatura constitui uma séria ameaça para os frágeis recifes de corais e para a flora do deserto de Karoo, na África. Se os corais morrem, também são prejudicados em cadeia outros invertebrados e as espécies que se alimentam deles , provocando uma diminuição de numerosos recursos econômicos. No Ártico, onde o ritmo de aquecimento é duas vezes mais rápido, os ursos polares estão diretamente ameaçados pela diminuição da camada de gelo.

Num primeiro momento, o aumento da temperatura e as emissões de gás carbônico podem ter efeitos positivos para o crescimento das plantas nas regiões temperadas. Mas à medida que o calor aumenta, o fenômeno se inverte e a vegetação enfraquece. Pesquisadores explicam que com uma elevação de temperatura superior a 3°C, os ecossistemas poderiam emitir mais gás carbônico do que absorvem, ampliando assim as mudanças climáticas.

Fonte: AFP, Paris e Estadão

Poderá a mudança climática matar a Amazônia?

Uma das mais profundas previsões da mudança climática foi discutida numa importante conferência no Oriel College por cientistas, conservacionistas e tomadores de decisão da Europa e das Américas do Norte e do Sul.
Eles discutiram algumas pesquisas chave mostrando que muito embora as florestas intactas sejam resistentes à mudança climática, um desflorestamento mesmo que parcial poderia tornar toda a paisagem mais seca e um efeito dominó poderia ocorrer e produzir um ponto de mudança rápida e de não retorno que afetaria toda a floresta. Cientistas relutam em quantificar o risco disso acontecer, mas falam em ‘corredores de probabilidades’ com modelos de previsão de risco da ordem de 10 a 40 % nas próximas décadas.
Em 2005 um grande alastramento de incêndios florestais foi verificado pela primeira vez no Sudoeste da região amazônica. Nova pesquisa feita pelo Dr. Luiz Aragão, do Instituto de Mudança Ambiental, avaliou a extensão desses incêndios nas regiões mais afetadas – Estado do Acre no Brasil. Ele disse: ‘Uma área de 2800 km2 foi queimada devido a transferência de focos de fogo em novas florestas que se tornam mais inflamáveis. Ele também revelou que os incêndios ocorreram principalmente onde havia atividade humana.
A conferência interdisciplinar examinou como estratégias de conservação e de desenvolvimento sustentável poderia tornar mais resiliente a região frente a mudança climática, e como um novo mercado internacional de comércio de carbono poderia financiar essas estratégias.
Um alarme preliminar sobre o potencial aumento de mortandade da floresta tropical amazônica devido a mudança climática foi indicado a cinco anos atrás por um modelo climático idealizado pelo Met Office do Hadley Centre. A questão da mortandade amazônica mudou rapidamente da previsões de computador de cientistas para uma preocupação ambiental global com a seca inesperada ocorrida na Amazônia em 2005, e questões têm sido formuladas sobre se este evento poderia ser visto como um primeiro indício de mudanças que estão por chegar.
O organizador da conferência, Dr. Yadvinder Malhi, do Instituto de Mudança Ambiental e do Oriel College, disse: ‘A seca de 2005 na Amazônia pegou a maioria da comunidade científica de surpresa, mas também forneceu uma janela de oportunidades para entender como a mudança climática pode influenciar a seca e como as populações humanas e os ecossistemas respondem ao estresse da redução da disponibilidade de água. Precisamos rapidamente aprender com esse fato para planejar um futuro amazônico em que tais eventos podem se tornar cada vez mais comuns.’

Nota: Esta história foi adaptada de uma notícia da Oxford University. (Science Daily)

domingo, 1 de abril de 2007

Luiz Felipe Lampreia: o Brasil Precisa Limitar suas Emissões

O Estadão publica hoje, 01 de abril de 2007, importante artigo do ex-ministro das Relações Exteriores e atual professor do Curso de Relações Internacionais da ESPM, Luiz Felipe Lampreia. Destacamos:

"Creio que o Brasil precisa evoluir em sua posição e aceitar compromissos internacionais de limitações de emissões de gases estufa. Digo isso com a autoridade de quem era ministro das Relações Exteriores durante a negociação de Kyoto e lutou para que os países em desenvolvimento não recebessem o mesmo tratamento que os países mais ricos, que começaram a poluir a atmosfera há 200 anos, com a Revolução Industrial. Hoje nossa recusa não é mais sustentável, pois os perigos das mudanças climáticas são globais e suas conseqüências estão claramente identificadas. Deles ninguém está a salvo. É óbvio que deveremos batalhar por metas menores de redução das emissões e por incentivos internacionais para reduzir o desmatamento e incentivar tecnologias de baixo carbono no Brasil e nos países emergentes mais poluidores em geral. Mas não podemos ser irredutíveis, deixando de fazer a nossa parte para reverter tendências deletérias pelas quais temos também alguma responsabilidade. O Brasil não se pode isolar neste combate vital pelo futuro do planeta."