quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Reportagem sobre o Clima na Physics World

PhysicsWorld cover, Volume 20, no. 2, February 2007 A edição de fevereiro de 2007 da PhysicsWorld contém vários artigos relevantes em ciências do clima, com um artigo principal em modelagem climática escrito por Adam Scaife, Chris Folland e John Mitchell, um texto de Richard Lindzen, bem como um artigo sobre geoengenharia na seção 'News & Analyses'. A revista também contém um artigo (Vivendo na Estufa, 'Living in the greenhouse') na seção 'Lateral Thoughts' que traz consigo um apanhado de possíveis analogias para um amplo leque de tópicos completamente não relacionados ao efeito estufa num sentido técnico, e um comentário editorial 'Tópico Quente', argumentando que seria um erro da PhysicsWorld ignorar outros estudos que não seguem a linha consensual. Para ser mais preciso, o comentário editorial devota algumas linhas justificando o texto de Lindzen e a notícia sobre geoengenharia, com uma referência à citação de Feynman: "Não existe dano em dúvida e ceticismo, pois é através desses que novas descobertas são feitas". Sábias palavras! No entanto, Eu não posso resistir de fazer algumas reflexões.

Um pensamento que imediatamente surgiu foi: A PhysicsWorld tentou fazer 'notícia equilibrada', ou a questão sobre dúvida e ceticismo por elas próprias merecem o texto? Serão o ceticismo ou a dúvida realmente genuínos (a dúvida seria o produto)? Para ser justo, o artigo traz objeções contra alguns argumentos de Lindzen (citando Gavin). Todavia, gostaria de ver um artigo mais consistente e crítico uma vez que os argumentos de Lindzen - ao menos o modo como eles foram ecoados na PhysicsWorld - são em minha opinião inconsistentes.

Aqui está um exemplo: tome a controvertida citação de Lindzen de que a boa concordância entre a evolução das temperaturas modeladas e históricas é um exercício de "ajuste de curva". Escrita nas entrelinhas há a premissa de que os modelos climáticos são dirigidos por forçantes baseadas nas emissões históricas de gases de efeito estufa (GEE). Mais adiante no artigo, Lindzen argumenta que os modelos climáticos usados pelo IPCC são muito sensíveis às mudanças de concentração atmosférica de CO2. Para mim, estas duas declarações dizem coisas opostas - e estão, assim, violando uma a outra. Isso porque ou os modelos fornecem uma boa descrição da evolução histórica ou não, dadas as passadas emissões de GEE e de aerosóis e as forçantes naturais (certamente, Lindzen deveria saber dessas simulações).

Então, por quê a revista não perguntou questões críticas sobre essas visões conflitivas, ou ao menos comentou onde parecia haver falta de lógica? Ou, talvez Lindzen fundamenta suas idéas em outros aspectos de avaliação de modelos? Lindzen argumenta que o efeito do CO2 sobre a temperatura é pequeno pois o efeito de moléculas adicionais de CO2 diminuem a medida em que a concentracão aumenta, mas ao mesmo tempo, Lindzen parece também esquecer - por um breve momento - todos os feedbacks que podem amplificar o aquecimento. Gavin o confunde com uma objeção sobre um ponto diferente - só que Lindzen não considerou o atraso de resposta apropriadamente, por exemplo, devido à inércia térmica do oceano. No parágrafo seguinte, entretanto, Lindzen mantém que os modelos climáticos não replicam os mecanismos de feedback no sistema climático, e posteriormente se refere a sua hipótese, o 'efeito íris', o qual de certo modo foi sepultado pela comunidade científica.

Gavin faz essa observação no artigo (veja também um argumento para o porque disso estar errado), mas um último pensamento que surgiu em mim é que Lindzen não deva provavelmente ser melhor em calcular efeitos de feedback em sua cabeça do que os modelos climáticos.

fonte: RealClimate

AAAS Libera Novos Pronunciamentos sobre o Clima

O seguinte pronunciamento sobre a mudança climatica global foi liberado durante a Reunião Anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) em São Francisco, Estados Unidos. O pronunciamento foi aprovado no dia 9 de dezembro de 2006.

A evidência científica é clara: a mudança climática global causada por atividades humanas está ocorrendo agora, sendo uma crescente ameaça à sociedade. Dados acumulados através do mundo revelam a ampla gama de efeitos: o rápido descongelamento de picos nevados, a desestabilização de grandes placas de gelo, aumentos de eventos extremos, elevação do nível do mar, alterações no espectro de espécies, e mais. A velocidade da mudança e a evidência de destruição têm aumentado marcadamente ao longo dos últimos cinco anos. O tempo para controlar as emissões de gases de efeito estufa é agora.

A concentração atmosférica de dióxido de carbono, um crítico gás de efeito estufa, é maior do que tem sido nos 650 mil anos, no mínimo. A média da temperatura da Terra é direcionada para níveis jamais sentidos por milhões de anos. As previsões científicas dos impactos do aumento da concentração de gases de efeito estufa derivados de combustíveis fósseis e desflorestamento coincidem com as mudanças observadas. Conforme esperado, a intensificação de secas, ondas de calor, inundações, incêndios florestais, e tempestades severas está ocorrendo, com um crescente ônus sobre os ecossistemas vulneráveis e as sociedades. Esses eventos são sinais de aviso preliminares da vinda de destruições ainda mais devastadoras, algumas das quais serão irreversíveis.

O atraso na ação voltada à mudança climática aumentará as consequências ambientais e sociais bem como os custos. Quanto mais tempo esperamos para lidar com a mudança climática, mais difícil e cara será a tarefa.

A Hitória fornece muitos exemplos da sociedade confrontando graves ameaças pela mobilização do conhecimento e promovendo a inovação. Precisamos de esforços agressivos em pesquisas e desenvolvimento para transformar os exitstentes e os futuros sistemas de energia do mundo longe de tecnologias que emitam gases de efeito estufa. O desenvolvimento de tecnologias de energia limpa deverá promover o surgimento de oportunidades econômicas e assegurará o suprimento de energia no futuro.

Junto com uma rápida redução das emissões de gases de efeito estufa, será essencial que nós desenvolvamos estratégias de adaptação para as mudanças já em curso e tornar as comunidades mais resilientes às que estão por vir.

A crescente torrente de informação apresenta uma mensagem clara: estamós já vivenciando uma mudança climática global. É tempo de reunir o desejo político para ações congruentes. É necessário o fortalecimento de lideranças. O tempo é agora. Devemos lançar o desafio. E nós devemos isso às futuras gerações.

As conclusões nesse pronunciamento refletem o consenso científico representado, por exemplo, pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas e o pronunciamento do joint National Academies.

Para maiores informações, veja a página da AAAS Global Climate-Change Resource .

18 Fevereiro 2007

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Editorial Science: Comércio de Carbono

por William H. Schlesinger, coordenador da “Nicholas School of the Environment and Earth Sciences”, Duke University, Durham, NC.

Dissemina-se entusiasmo sobre os sistemas de comércio de emissão (cap-and-trade) para regular a quantidade de CO2 emitida para a atmosfera terrestre. Em 1990, a Agência Ameriana de Proteção Ambiental impôs um limite sobre as emissões de SO2 de fontes pontuais e permitiu àqueles que emitissem menos que sua cota comecializar suas permissões excedentes. Como resultado, a deposição ácida regional foi dramaticamente reduzida. Poderia o mundo fazer o mesmo para o CO2?

Diferenças fundamentais na biogeoquímica do SO2 e CO2 sugerem que o estabelecimento de um sistema completo, baseado no mercado para o comércio de emissões de CO2 seja difícil. Para o SO2, as fontes pontuais antropogênicas (em grande parte das usinas de energia à carvão), as quais são relativamente fáceis de controlar, dominam as emissões para a atmosfera. Fontes naturais, como as emanações vulcânicas, são comparativamente pequenas, então as reduções da componente antropogênica podem potencialmente ter um grande impacto, e reações químicas asseguram um curto tempo de vida do SO2 na atmosfera. O CO2, em contraste, surge de muita fontes distribuídas, algumas sensíveis ao clima, outras sensíveis à ação humana como a derrubada de florestas. Torna-se assim impossível controlar todas as fontes potenciais.

Emissões humanas pela queima de combustíveis fósseis representam uma das menores componentes do fluxo de CO2 atmosférico, o qual é dominado por florestas e pelos oceanos. Durante a maior parte dos últimos 10 mil anos, o sequestro e a perda de CO2 pelas florestas e oceanos certamente estavam muito próximo de um equilíbrio, pois o CO2 atmosférico mostrou pequena variação até o início da Revolução Industrial. O CO2 derivado da queima de carvão, oleo e gás natural agora surge de muitos segmentos da sociedade, incluindo a geração de energia elétrica, indústrias, aquecimento residencial e transportes. Desbalanceada por sumidouros equivalentes de CO2 antropogênicos, as emissões de combustíveis fósseis são responsáveis pela vasta maioria do crescimento do CO2 na atmosfera terrestre. Limites sobre emissões, como as instituídas para o SO2, serão difícies de serem instituídas se a conta de reduzir as emissões de CO2 deve ser aceita igualmente por todos os emissores.

Devido à remoção de CO2 através da fotossíntese e do armazenamento de carbono na biomassa, florestas e solos parecem ser atrativos para se estocar CO2. Esquemas baseados em mercado propõem pagamentos e créditos substanciais para aqueles que atingirem um saldo positivo de estocagem em manejo florestal e agricultura, mas esses ganhos projetados são freqüentemente pequenos e dispersos sobre grandes áreas. Precisaremos tornar positiva qualquer remoção de carbono contra o que deveria ocorrier na ausência de uma política climática. Por outro lado, serão Canadá e Rússia taxados por liberações progressivas de CO2 que derivam do aquecimento de solos do hemisfério norte como resultado do aquecimento global induzido pelo uso de combustíveis fósseis em todo o mundo?

Se serão fornecidos créditos para aqueles que escolherem não cortarem suas florestas existentes, a crescente demanda total por produtos florestais irá deslocar o desflorestamento para outras áreas. Frequëntes auditorias serão necessárias para se determinar a remoção de carbono atual, seguros serão necessários para proteger creditos de carbono passados de possíveis destruições por fogo ou tempestades de vento, e pagamentos serão necessários caso as florestas forem cortadas. Todos esses esforços serão muito caros para admnistrar, diminuindo o valor dos relativamente modestos creditos de carbono oriundos do manejo florestal e da agricultura.

Muitos economistas de meio ambiente reconhecem que uma taxa ou tarifa sobre a emissão de CO2 de fontes de combustíveis fósseis seria o sistema mais eficiente para reduzir as emissões e distribuir a conta igualmente entre todas as fontes: industriais e pessoais. Uma taxa sobre as emissões de carbono oriundo de combustíveis fósseis poderia substituir a receita equivalente das taxas sobre lucros, de modo que a conta total da taxa dos consumidores permaneça inalterada. Uma elevada taxa sobre a gasolina deve preservar o direito pessoal de dirigir uma carro maior ou dirigir longas distâncias, mas pode também motivar decisões de se fazer o oposto. Uma taxa sobre as emissões oriundas de termoelétricas movidas à carvão, manifestada em contas de fatura de energia elétrica mensais, deveria motivar o uso de energias alternativas e eficiências do uso de energia em casa e na indústria.

A biogeoquímica do carbono sugere que ambos programas de taxas e de comércio de emissões devem funcionar melhor se restritos para as fontes de carbono de combustíveis fósseis. Outras fontes e sumidouros no ciclo biogeoquímico global são simplesmente muito numerosos e usualmente muito pequenos para incluir em um sistema eficiente de comércio. Simples, justa e efetiva deve ser a marca das políticas que irão nos desmamar da dieta rica em carbono da Revolução Industrial, e devemos começar logo se temos alguma esperança em estabilizar nosso clima.

sábado, 24 de fevereiro de 2007

Adaptação: Removendo o Tabu

A magnitude das emissões de gases de efeito estufa (GEE) já realizadas tornam as mudanças climáticas inevitáveis. Diante deste fato, a idéia de adaptação, de agir sobre as conseqüências das mudanças do clima, ao invés de simplesmente mitigar ou atuar sobre as causas, está deixando de ser um tabu entre os ambientalistas. A revista Nature recentemente publicou um comentário sobre o assunto, escrito por Roger Pielke Jr, Gwyn Prins e Daniel Sarewitz, em seu número especial sobre o último relatório do IPCC.

Neste comentário, coloca-se claramente a necessidade dos formuladores de políticas públicas de entenderem as limitações das estratégias de mitigação para redução das vulnerabilidades, e de dar com urgência atenção a políticas de adaptação (melhor administração das zonas costeiras e dos recursos hídricos, por exemplo). Estas políticas devem buscar aumentar a resiliência da sociedade aos impactos climáticos futuros, independente se suas causas estão ligadas às emissões de GEE ou não. Definir adaptação como o custo de uma mitigação mal feita equivale a expor milhões de pessoas pobres, em ecosistemas comprometidos, aos mesmos perigos que as políticas para o clima tentam evitar.

No entanto, definir adaptação em termos de desenvolvimento sustentável adapta-se mal à atual estrutura política, que nos últimos 15 anos concentrou um enorme esforço intelectual, diplomático e financeiro em mitigação, ao mesmo tempo em que minimizava a importância da adaptação. Até que a adaptação seja institucionalizada num nível de intensidade e de investimento ao menos igual a de estruturas como UNFCC e o Protocolo de Kyoto, os impactos climáticos vão continuar a crescer, mesmo em face dos mais otimistas cenários de redução de emissões de GEE.

NAE da Presidência da República Analisa Impacto das Mudanças Climáticas

O Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE), órgão de assessoria ligado à Presidência da República, lançou um abragente estudo, realizado por 27 especialistas, sobre as mudanças do clima e seu impacto no Brasil. Vale a pena ler na íntegra. Destacamos os trechos a seguir.

“A vulnerabilidade do Brasil em relação à mudança do clima se manifesta em diversas áreas: por exemplo, aumento da freqüência e intensidade de enchentes e secas, com perdas na agricultura e ameaça à biodiversidade; mudança do regime hidrológico, com impactos sobre a capacidade de geração hidrelétrica; expansão de vetores de doenças endêmicas. Além disso, a elevação do nível do mar pode vir a afetar regiões da costa brasileira, em especial grandes regiões metropolitanas litorâneas. O Brasil é, indubitavelmente, um dos países que podem ser duramente atingidos pelos efeitos adversos das mudanças climáticas futuras, já que tem uma economia fortemente dependente de recursos naturais diretamente ligados ao clima na agricultura e na geração de energia hidroelétrica. Também a variabilidade climática afeta vastos setores das populações de menor renda como os habitantes do semi-árido nordestino ou as populações vivendo em área de risco de deslizamentos em encostas, enxurradas e inundações nos grandes centros urbanos.

Para um país com tamanha vulnerabilidade, o esforço de mapear tal vulnerabilidade e risco, conhecer profundamente suas causas, setor por setor, e subsidiar políticas públicas de mitigação e de adaptação ainda é incipiente, situando-se aquém de suas necessidades. O conhecimento sobre impactos setoriais já avançou um pouco, no que diz respeito à vulnerabilidade da mega diversidade biológica e de alguns agro-ecossistemas (milho, trigo, soja e café) às mudanças climáticas, com indicações iniciais de significativa vulnerabilidade. Nos setores de saúde, recursos hídricos, energia, zonas costeiras e desenvolvimento sustentável do semi-árido e da Amazônia, o número de análises de impactos e vulnerabilidade é substancialmente menor, o que aponta para uma premente necessidade de induzir estudos para estes setores. São mais comuns estudos de vulnerabilidades a mudanças dos usos da terra, aumento populacional e conflito de uso de recursos naturais, porém é urgente um esforço nacional para a elaboração de um “Mapa Nacional de Vulnerabilidade e Riscos às Mudanças Climáticas”, integrando as diferentes vulnerabilidades setoriais e integrando com as demais causas de vulnerabilidades. “

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

O que Dispara as Eras Glaciais?

Em um artigo recente da Climatic Change, D.G. Martinson e W.C. Pitman III discutem uma nova hipótese que explica como o clima pode mudar abruptamente entre eras glaciais e períodos interglaciais (quentes). Eles argumentam que as mudanças na órbita da Terra ao redor do Sol em isolado não são suficientes para explicar as altas taxas de mudanças estimadas, e que deve necessariamente haver a ação de um mecanismo de feedback (ou retro-alimentação) amplificando o processo. A necessidade de um feedback não é nova, pois o sueco ganhador do Prêmio Nobel (Química), Svante Arrhenius, já havia sugerido em 1896 que o CO2 deveria agir como um mecanismo de amplificação. Além do mais, existe o feedback do albedo, pelo qual a quantidade de radiação solar que é refletida de volta ao espaço é escalonável com a área de cobertura de gelo e neve. E existem nuvens bem como outros aspectos envolvidos.


Orbial forcing A hipótese de Martinson & Pitman III formula que a entrada de água doce funciona em consonância com o ciclo de Milankovitch e o feedback de albedo. Eles concluem que os 'maiores' términos podem somente acontecer após um acúmulo de gelo grande o suficiente para isolar o Artico, inibindo o fluxo de entrada de água doce até um ponto em que o aumento da salinidade na camada superficial, através de um vagaroso e contínuo crescimento do gelo marinho, causa uma inversão das águas marinhas do Ártico (pelo efeito na circulação atmosférica e nas correntes oceânicas). A inversão vertical traz água quente de baixo para cima, promovendo condições mais favoráveis ao degelo. A salinidade também tem um papel, mas a hipótese não menciona variações de gases de efeito estufa (GEE). Algumas questões: Martinson e Pitman III esqueceram disso? Ou os GEE representam somente uma pequena contribuição? E, não poderiam as mudanças nos GEE explicar boa parte da variabilidade? Por outro lado, parece plausível que mudanças na salinidade e na entrada de água doce poderiam afetar a formação de gelo marinho e a convecção profunda. Contudo, até o presente, a hipótese proposta por Martinson and Pitman III é meramente uma especulação, e estamos aguardando para ver se a hipótese pode ser testada através de experimentos de modelos numéricos (o que pode requerer modelos oceânicos e de gelo marinho com maior resolução que os atualmente usados em modelos climáticos globais). Seria interessante conduzir experimentos para avaliar a significância individual da água doce, dos GEE e o efeito combinado.

Uma reação ao trabalho de Martison e Pittman é: Onde está o cálculo de energia? Gases de efeito estufa contribuem somente com alguns W/m2, em contraste com uma forçante >40 do ciclo sazonal de Milankovich. Para esta nova idéia ter mérito, teria sido melhor ter no mínimo fluxos de calor em paralelo com a forçante radioativa do CO2. Estudos de modelagem anteriores encontraram que GEE produzem aproximadamente 50% de todo Último Máximo Glacial (inglês, LGM) para a resposta da temperatura atual (veja por exemplo Broccoli & Manabe), a outra parte sendo o albedo, etc., que respondem ao ciclo sazonal de irradiância. É muito difícil isolar completamente as causas individuais pois as mudanças nos GEE podem produzir alterações na distribuição de nuvens e gelo marinho. Mas a grosso modo, se você rodar um LGM e somente somente reduzir o nível do mar, introduzir as calotas de gelo, mudar a vegetação, adicionar alguma poeria (embora esta ainda seja grosseira), então você alcançaria ao redor de 50% do caminho que você quer ir. Mude a concentração de GEE e você chegaria mais próximo. Isso é mais ou menos o que Manabe e Stouffer mostraram há quinze anos atrás. A questão é se realmente precisamos de algo mais, e se esse 'algo mais' tem força suficiente.

fonte: RealClimate

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Salve o Planeta e Ganhe 25 milhões de Dólares!

Por Juliane Fry, UC Berkeley

No dia 9 de fevereiro, o presidente do Grupo Virgin, Sir Richard Branson, anunciou um prêmio de US$ 25 milhões para quem demonstrar "a viabilidade comercial de algum projeto para retirada da atmosfera de gases de efeito estufa de origem antropogênica, de modo a contribuir materialmente para a estabilidade do clima da Terra". Na coletiva de imprensa que lançou o desafio, batizado de "Virgin Earth Challenge", Branson estava acompanhado de Al Gore, e o corpo de jurados da competição incluía outras celebridades das mudanças climáticas como James Hansen, James Lovelock, Tim Flannery, e Sir Crispin Tickell.

O objetivo da competição é encontrar um método que seja capaz de remover pelo menos 1 bilhão de toneladas de carbono por ano da atmosfera. Será muito interessante observar que idéias surgirão para varrer CO2 da atmosfera. US$ 25M devem suscitar alguma criatividade! (e naturalmente, uma vez implementado, proporcionar muito dinheiro na forma créditos de compensação de carbono). No ano passado, o barulho causado pela proposta de injeção de SO2 na estratosfera para formar uma camada refletiva de aerossóis de sulfato, de modo a neutralizar o aquecimento global, forçou muitos cientistas a tomar uma posição clara a respeito desta proposta controvertida e pouco compreendida. Durante os debates, uma matéria do New York Times (descrita aqui) discutiu várias alternativas de "geo-engenharia" para criar um mecanismo de resfriamento que mascarasse o aquecimento global. Pelo menos neste caso, não estamos procurando adicionar algo novo e incerto na atmosfera, mas ao contrário, retirar algo que foi adicionado.

fonte: RealClimate

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

O Mercado Mundial de Carbono Está Funcionando?

Na de edição de 08/Fev/2007 da revista Nature, Michael Wara, do Programa de Energia e Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Stanford (EUA), analisa os sucessos e fracassos do mercado mundial de créditos de carbono.

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (em inglês, Clean Development Mechanism – CDM), foi criado em 2003, no âmbito do Protocolo de Kyoto (PK), com a finalidade de encorajar a participação das nações em desenvolvimento no controle das emissões de gases de efeito estufa (GEE), por meio da criação de um mercado global de reduções. O CDM funciona pagando às nações em desenvolvimento pela adoção de novas tecnologias de baixo impacto ambiental no lugar das antigas, mais baratas mas também mais poluidoras. A redução obtida nas emissões dos GEE, após monitoramento e certificação, é convertido em “créditos de carbono”, que podem ser vendidos a uma nação desenvolvida, signatária do PK. Ganham os países pobres que com o CDM podem cobrir o maior investimento necessário ao uso de tecnologias mais modernas. Ganham também os países ricos pois, ao comprar créditos de carbono dos países em desenvolvimento, reduzem de modo proporcional o seu passivo ambiental em relação às metas de redução de emissões estabelecidas pelo PK. Todo este mecanismo funciona, em princípio, por que é mais barato construir do zero uma infra-estrutura energética de “baixo-carbono” nas nações em desenvolvimento do que adaptar ou substituir a tecnologia já existente nos paises industrializados.

Mas será que o CDM está funcionando? A resposta depende fortemente do critério utilizado. O CDM foi bem sucedido em atrair vendedores e compradores para o mercado de créditos de carbono, proporcionando reduções substanciais nas emissões dos seis gases do PK (dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (NO3), hidrofluorocarbonetos (HFC), perfluorocarbonetos (PFC) e hexafluoreto de enxofre (SF6)). Até agora as reduções projetadas para os seis gases combinados equivalem a 1.75 bilhões de toneladas CO2. No entanto, este número significa uma redução anual de 278 milhões de toneladas, pouco mais de 1% das emissões globais de CO2 em 2003.

No lado positivo do CDM, podemos incluir o surgimento de mercados primários e secundários (revenda) dinâmicos de créditos de carbono, com mecanismos sofisticados de verificação e entrega. Nações em desenvolvimento que inicialmente estavam céticas – caso da Índia e da China – acabaram entrando no mercado com entusiasmo e agora vendem a maior parte dos créditos. O regime regulatório administrado pelas Nações Unidas superou dificuldades de financiamento e de logística para emergir como um árbitro relativamente bem sucedido no mercado global de carbono.

Estas realizações políticas são admiráveis, mas não são suficientes para julgar todo este esforço um sucesso. De outros e talvez mais importantes pontos de vista, o CDM está falhando. Inicialmente, esperava-se que o mercado de carbono criasse fortes incentivos ao investimento em infra-estrutura energética de “baixo-carbono” nos países em desenvolvimento. Apesar de muitos gases causarem efeito estufa, o CO2 é o mais importante pois é emitido em quantidades colossais e tem um longo tempo de permanência na atmosfera. O setor energético é geralmente o maior emissor de CO2 em qualquer país. Ainda assim, uma análise detalhada dos projetos do CDM revela que quase dois terços das reduções não envolvem nem CO2 nem o setor de energia.

Assim no futuro (pós-2012), os signatários do PK devem reconhecer que medidas adicionais são necessárias para encorajar as nações em desenvolvimento na direção de um futuro energético sustentável. Estas devem incluir aumentos substanciais em investimento tecnológico, acordos para compartilhamento de tecnologias de baixo-carbono, comprometimento com o desenvolvimento de mercados robustos de energia, além de garantias de segurança energética de modo que seja do interesse dos principais países em desenvolvimento promover o crescimento econômico com baixas emissões de carbono.

domingo, 18 de fevereiro de 2007

Rubens Recupero: Que diferença faz o Brasil

Neste domingo de carnaval, vale à pena destacar a coluna de hoje (só para assinantes), na Folha de São Paulo, de Rubens Recupero, ex-secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ex-ministro da Fazenda:

" A razão pela qual o Brasil é incontornável na solução do aquecimento global é a mesma que opera na agricultura: a extraordinária riqueza em recursos naturais que faria dele uma potência ambiental, se existisse tal conceito. O país controla (?) a maior floresta tropical e é abençoado com uma das mais amplas reservas de água doce. Sua biodiversidade confirma a intuição do hino: de fato, "nossos bosques têm mais vida".
A agenda mundial foi distorcida pelo terrorismo, o Iraque, a proliferação de armas, o Irã, o conflito israelense-palestino. A esse respeito, pouco ou nada podemos fazer, pois carecemos de poder militar e econômico, e nossa influência no Oriente Médio é próxima de zero.
Esses problemas são reais, mas alguns foram inflados ou criados por estratégia errada (a desnecessária invasão do Iraque, por exemplo). Para a imensa maioria da humanidade pobre e sofredora na África, na Ásia e na América Latina, sua relevância é quase nula.
Já a mudança climática afeta a todos: é a mãe de todas as ameaças. Até a desonestidade de governo dominado por lobbies petrolíferos como o de Bush começa a ceder e, em dois ou três anos, é provável que os EUA se resignem a limites de emissão obrigatórios. A partir de agora, o destino do planeta vai depender de uma agenda ambiental na qual o Brasil faz diferença.
O problema é que, salvo momentos brilhantes como o da Rio 92, volta e meia recaímos em posição defensiva. A fim de ganhar em matéria ambiental a influência que exerce na negociação agrícola, o país tem de seguir o mesmo caminho da agricultura: converter em uma oportunidade o que hoje é um problema.
Não basta culpar os industrializados. É preciso criar coalizão de peso como o Grupo dos 20, pôr na mesa propostas sérias, exigir contribuição dos outros, mas também de si próprio. No mínimo, comprometendo-se a não agravar a situação com as queimadas na Amazônia e a destruição da biodiversidade.
Se, nessas e outras áreas da política ambiental, tivesse o Brasil a excelência que alcançou nos biocombustíveis, encarnaria para um mundo sob ameaça mortal muito mais do que a potência militar dos EUA ou o crescimento predatório do tipo chinês: o exemplo moral de que é possível salvar a Terra respeitando a santidade da vida."

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Corpo Editorial do WSJ: Cabeça Ainda Enterrada na Areia

Enquanto o resto do mundo tem aceito a conclusão do último relatório do IPCC, uma pequena cidade ainda permanece contra a maré – o corpo editorial do Wall Street Journal. Isso contrasta nitidamente com a seção de notícias do jornal que é muito boa. Eles publicaram uma matéria sobre as respostas dos mercados para as questões de aquecimento global que não apenas apontava que os mercados estão cada vez mais interessados na redução de carbono, mas o artigo de certo modo tomava como certo que o problema é real. No entanto, como já apontamos anteriormente, as páginas do editorial operam em um universo próprio.

Isso não seria muito preocupante se o WSJ não fosse um jornal influente nos Estados Unidos. Contudo, a extensão de seu isolamento sobre essas questões é evidente pela divertida confiança que tem o propenso Christopher Monckton. Eles o citam dizendo que as previsões de aumento do nível do mar foram muito menores que aquelas do IPCC TAR (não eram), que a contribuição humana para as recentes mudanças foram ‘cortadas em um terço’ (não foram), e que o Sumário para Tomadores de Decisão (SPM) foi escrito por políticos (não foi, a dica está no seu próprio nome).

Ainda mais errado é a declaração de que “no futuro relatório falta qualquer referência à famosa curva ‘taco de róquei’. Não somente as três reconstruções originais dos 'tacos de róquei' do relatório IPCC (2001) são mostrados no capítulo (rascunho) de paleoclima do novo relatório, mas estas são agora fundidas com mais outras nove reconstruções. Essa é a razão para que o SPM venha com uma conclusão ainda mais contundente de que o recente aquecimento de larga escala é provavelmente anômalo no contexto de no mínimo 1300 anos atrás, e não somente nos últimos 1000 anos.

Assim, em qualquer índice de erro, este editorial do WSJ pontua muito alto. O que nos deixa intrigados é porque seus leitores, os quais presumidamente querem saber sobre as questões que podem afetar suas próprias bases, toleram um negacionismo tão fraco. Enquanto nos deleitamos em apontar seus óbvios absurdos, seus leitores deveriam provavelmente estar melhor servidos se o WSJ aceitasse o desafio de Jeffery Sachs. Se eles não podem ser confiáveis mesmo nos fatos mais básicos sobre essa questão, qual a razão para se acreditar seriamente em quaisquer de suas outras opiniões?

(fonte: realclimate)

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

A Ciência do Relatório Stern

A publicação do Relatório Stern sobre os impactos econômicos das mudanças climáticas gerou repercussões no mundo inteiro. Publicamos a seguir o comentário postado em RealClimate sobre a ciência por trás deste importante documento:

A ciência de Stern


por Halldór Björnsson, William Connolley e Gavin Schmidt (RealClimate)

No fim do ano passado, o Tesouro britânico publicou o Relatório Stern sobre as conseqüências econômicas das mudanças climáticas, que foi recebido com entusiasmo pelo conjunto da classe política do Reino Unido, isto é a esquerda e a direita. Depois, ele foi objeto de inúmeros debates e críticas (ver a lista que preparou Rabbett Run). O essencial da discussão realizou-se em torno dos problemas econômicos (e éticos) associados “atualização” (isto é, como medir o bem-estar futuro em comparação ao bem-estar atual) – particularmente o relatório Nordhaus. Nós não estamos qualificados para comentar estes assuntos, assim como não comentamos no passado.
No entanto, como ilustram as entrevistas concedidas durante um recente programa de Radio 4 (das quais uma com William Connolley), certas questões diziam respeito à ciência que sustenta os cálculos econômicos. Vamos tentar abordá-las a seguir.

Ao contrário de um relatório mais antigo da Câmara dos Lordes, Stern não perde tempo tentando trapacear, e essencialmente busca a ciência no relatório do IPCC, com algumas atualizações de trabalhos mais recentes. A maior parte da ciência está resumida no capítulo um, e um leitor casual familiarizado com o relatório IPCC encontrará poucas surpresas em seções que incluem afirmações como “Uma massa esmagadora de evidências científicas indica que o clima da Terra está mudando rapidamente, predominantemente pelo efeito do crescimento dos gases de efeito estufa causado pelas atividades humanas” etc. Entretanto, as possibilidades científicas em Stern são ponderadas de maneira levemente diferente que nos relatórios do IPCC uma vez que, colo ele afirma, “os tomadores de decisão devem levar em conta os riscos extremos, além das previsões médias, por que seria muito grave se estes riscos viessem a se materializar” (Stern reply to Byatt et al).

Há três componentes científicas no relatório Stern: a sensibilidade climática, as emissões futuras dos gases de efeito estufa, e os impactos de uma dada mudança, expressas na forma de anomalia de temperatura global por razões de comodidade.
A sensibilidade climática (já discutida aqui anteriormente) foi considerada como provavelmente estando no intervalo de 1.5 a 4.5 C do IPCC TAR, e no intervalo de 2 a 5 C dos modelos utilizados no relatório Stern. No entanto, a probabilidade de valores maiores tem um papel importante no relatório. Especificamente, Meinshausen* (2006) [estabelece] que há “entre 2% a 20% de probabilidade que o aquecimento pode ser maior que 5 C”. Isto é verdade, mas o relatório esquece de mencionar que outros novos estudos (Annan and Hargreaves; Hegerl et al) sugerem que é insignificante a probabilidade que a sensibilidade climática seja superior a 5 C.

A incerteza sobre o aquecimento futuro não se reduz à incerteza sobre a sensibilidade, mas depende também daquela relacionada aos níveis futuros dos gases de efeito estufa (GEE). Existe uma ampla gama de cenários e de estimativas sobre níveis futuros de GEE que são utilizados nos relatórios do IPCC. O cenário utilizado pelo Relatório Stern é o A2, mas neste cenário, os níveis de GEE na segunda metade do século XXI são superiores à aqueles do cenário A1b, por exemplo. A questão não é se o cenário A2 é menos sólido que o A1, mas simplesmente que o Relatório Stern escolheu trabalhar com um dos cenários de “fortes emissões”. Além disso, o relatório reconhece também a grande incerteza (mas não claramente quantificável) de feedbacks positivos nas emissões de CO2 e CH4 de origem natural.
Com relação aos impactos das mudanças climáticas, a estória é semelhante: a maior parte dos impactos são declarados mas sua probabilidade de ocorrência é sujeita à debate. Por exemplo: o enfraquecimento da corrente termohalina para 1 grau de aquecimento, risco de colapso para 3 graus, risco de derretimento irreversível da calota de gelo da Groenlândia para um aquecimento de 2 graus, a elevação dos mares de 5 a 12 metros durante muitos séculos, - estas eventualidades são questionáveis, e deveriam ser consideradas como “o cenário adverso” dentre os possíveis impactos.

Em conclusão: Stern de um modo geral utiliza bem a ciência do clima, mas desvia-se para o lado das estimativas mais impactantes e as utiliza em seu sumário. Este viés altista faz com que o relatório seja vulnerável a acusações de “alarmismo”. O relatório é justo em apontar que os danos e seus custos crescem de maneira desproporcional com o aumento da mudança de temperatura e portanto, dada esta assimetria, os tomadores de decisão tem razão de os levar em conta. Entretanto, parece que a maior crítica deste relatório será endereçada (em outros foros) à parte econômica.

NB: De modo previsível, alguns dos “céticos” habituais atacaram igualmente a ciência do relatório Stern. No entanto, uma indicação de sua falta fundamental de seriedade é que, quando há realmente importantes incertezas (por exemplo, a probabilidade que a sensibilidade seja superior àquela geralmente estimada), eles as ignoram para fazer as mesmas repetitivas, desinteressantes e incorretas afirmações que eles sempre fazem.

*Meinshausen, M. (2006): 'What does a 2 C target mean for greenhouse gas concentrations? A brief analysis based on multi-gas emission pathways and several climate sensitivity uncertainty estimates' ("O que significa um alvo de +2°C en termos de concentração de gás de efeito estufa ? Uma rápida análise fundamentada em caminhos de emissão multi-gás et várias estimativas de incerteza da sensibilidade climática"), Avoiding dangerous climate change (Evitando uma perigosa mudança climática), in H.J. Schellnhuber et al. (eds.), Cambridge: Cambridge University Press, pages.265 à 280.

(fonte: realclimate)

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Editorial Science: Energia e Sustentabilidade

A divulgação do último relatório do IPCC (conhecido como AR4; ver post anterior), repercutiu fortemente nas edições das revistas Nature e Science da semana passada. Ao longo das próximas semanas vamos comentar neste blog os artigos mais interessantes para o público brasileiro.

Em particular, a Science consagrou boa parte de sua última edição ao tema: Sustentabilidade e Energia. Para começar, reproduzimos a seguir alguns trechos do editorial que acompanha esta edição especial. Há poucas dúvidas que a "maré" está mudando nos EUA, e que a questão da Sustentabilidade veio para ficar.

"O bem-estar tem dimensões ambientais, sociopolíticas e culturais além de econômicas. A meta de um bem-estar sustentável requer a melhoria de todas estas dimensões em modos e com fins que sejam consistentes com a manutenção indefinida deste progresso. Este desafio inclui não somente melhorar a sustentabilidade do padrão de vida nos países em desenvolvimento, mas também converter para uma base sustentável, as práticas atualmente insustentáveis que mantém o padrão de vida nos países industrializados.
(…)
Os perigos da dependência do petróleo e das mudanças climáticas, juntos com a demanda por grandes aumentos na disponibilidade per capita de energia, [nos] compelem a uma transição imediata para um caminho diferente. As exigências desta transição incluem uma redução no crescimento da população global (realizável, felizmente, por meios que são por si só desejáveis) e uma grande ênfase na melhoria da eficiência na conversão e no uso final da energia (apontando para um crescimento na eficiência energética da economia mundial não de 1% ao ano, mas antes de 2% ao ano ou mais). É também necessário um forte aumento nos investimentos públicos e privados para melhorar as tecnologias de geração de energia. Nós precisamos saber se e como o gás carbônico produzido pelo uso de combustíveis fósseis pode ser seqüestrado da atmosfera e estocado com segurança e baixo custo; se e como a energia nuclear pode tornar-se segura o bastante e à prova de proliferação [de armas atômicas] para que possa ser largamente expandida em escala mundial; e até que ponto a produção de biocombustíveis pode ser aumentada sem impactos intoleráveis na provisão de comida ou nos serviços de ecossistemas. (...)"

(fonte: realclimate)

A Quarta Avaliação do IPCC – Sumário para Tomadores de Decisão

Temos tido uma política de (em geral) não comentar os vários rascunhos, citações incorretas e erros de leitura no relatório da Quarta Avaliação (“AR4” para aqueles acostumados com acrônimos) do IPCC. Agora que o sumário para tomadores de decisão (ou “SPM”) do IPCC foi enfim publicado, é possível discutir seu cerne sem nos preocupar tanto com sutilezas e detalhes do relatório. Esta postagem é somente inicial, desde que planejamos avaliar o relatório capítulo por capítulo durante os próximos meses, explicando as questões chaves e as questões ainda incertas. Este relatório será repetidamente referenciado nos próximos meses, de modo que poderemos a tempo realizar um trabalho razoável explicando seu conteúdo e motivo.

Em primeiro lugar, pelas pesquisas que vêm sendo realizadas desde o Terceiro Relatório de Avaliação (TAR) de 2001 – muitas das quais têm sido discutidas aqui – não é surpresa alguma que o AR4 traga uma forte conclusão. Em particular, o relatório conclui que as influências humanas sobre o clima são “muito possivelmente” (>90% probabilidade) detectáveis nos dados observados; aumentado de “possivelmente” (>66% probabilidade) no TAR. Resultados chaves apresentados aqui incluem as simulações climáticas ao longo do século XX, realizadas com os mais modernos modelos de clima, demostrando que as recentes tendências não podem ser explicadas sem a inclusão do aumento da concentração de gases de efeito estufa devido às ações humanas. Esse aumento também é consistente com o aquecimento dos oceanos, derretimento de gelo nos mares e em terra, e sinais de mudanças em ecossistemas naturais. Tal conjuntura torna irrefutáveis as projeções de grandes e contínuas mudanças ao longo do tempo, particularmente sobre o cenário business as usual (sem mudanças nos padrões globais de produção e consumo).

Tendo em vista todo o sensacionalismo desde o TAR, muitos de nós estávamos curiosos para ver o que o novo relatório iria trazer sobre as reconstruções paleoclimáticas dos últimos 1000 anos. Os ’contrários‘ irão sem dúvida ficar desapontados. As conclusões têm sido significativamente fortalecidas em relação ao que havia no TAR, o que certamente deveria ser esperado, haja vista os numerosos estudos adicionais que têm sido feitos apontando para uma mesma direção. A conclusão de que o recente aquecimento em grande escala provavelmente excede o alcance visto nos últimos séculos, foi estendido dos 1000 anos utilizados no TAR, para os últimos 1300 anos no relatório atual, e a confiança nessa conclusão foi promovida de “possivelmente” no TAR para “muito possivelmente” no relatório atual para o último meio milênio passado. Esta é apenas uma das várias e independentes linhas de evidências agora apontando em direção a uma clara influência antropogênica sobre o clima. Porém, dada todas as outras, as reconstruções paleoclimáticas são agora menos ainda o pilar central das evidências da influência humana sobre clima do que vinham incorretamente sendo consideradas.

As incertezas científicas envolvem principalmente a natureza precisa das mudanças esperadas, particularmente com respeito à elevação do nível do mar, mudanças do El Niño e em regimes hidrológicos regionais – freqüência de secas e descongelamento de coberturas de gelo, tempestades em latitudes médias, e com certeza, furacões. Pode ser divertido avaliar os pormenores das discussões nestes tópicos (e nós esperamos que haverá uma cobertura substancial da impresa sobre eles), mas isso não deve nos distrair das principais e das mais sólidas conclusões.

O processo de finalização do SPM (o qual é bem descrito aqui and aqui) pode parecer um pouco estranho. Representantes dos governos de todas as nações participantes pegam o rascunho do sumário (como escrito por um dos autores líderes de um dos capítulos individuais) e discutem se o texto reflete fielmente a ciência que está por trás do relatório principal. A chave aqui é notar que o que os autores líderes originalmente redigiram não é necessariamente a mais clara ou menos ambígua linguagem, de modo que cabe perfeitamente aos governos (para os quais o relatório está sendo escrito) insistirem que a linguagem seja modificada para que as conclusões sejam corretamente entendidas por eles e pelos cientistas. É também importante frisar que os cientistas têm que estar contentes com a linguagem final acordada, e se esta concorda com a ciência contida nos capítulos técnicos. A vantagem desse processo é que qualquer um envolvido está absolutamente consciente dos significados de cada sentença. Lembre-se que depois do "National Academies report on surface temperature reconstructions" houve muita discussão sobre a definição de ‘plausível’. Este tipo de coisa não deve ocorrer no AR4.

O processo do SPM também é muito útil como uma proposta política. Especificamente, ele permite aos governos envolvidos sentirem-se ‘como parte’ do relatório. Isso torna difícil mudanças posteriores nas posições assumidas, com base no argumento de que o relatório foi escrito por outra pessoa. Isso fornece aos governos um absoluto interesse em tornar esse relatório o melhor possível (dada as incertezas). Existem de fato muitas salvaguardas (ao menos pelos cientistas presentes) para assegurar que o relatório não seja enviesado em qualquer direção preferencial. Todavia, o lado ruim é que ele pode ser erroneamente confundido como um ponto de partida para negociações. Esta pode ser uma conclusão falsa – as negociações estão, de fato, fortemente constritas pela ciência subjacente.

Finalmente, poucas pessoas têm se perguntado por que o SPM está sendo lançado agora enquanto o relatório deverá ainda ser publicado em alguns meses. Existe um número de razões – primeiramente, a reunião de Paris possui tal significado público que segurar o SPM até que o relatório principal esteja pronto torna-se sem sentido. O relatório principal propriamente dito ainda não foi corrigido na íntegra, e não houve tempo suficiente para incluir dados observacionais do fim de 2006. Uma questão final é que as melhorias na concisão da linguagem do SPM devem ser propagadas para os capítulos individuais, de modo a remover qualquer ambigüidade superficial. O conteúdo científico não deve mudar.

Se dependesse de nós, teriamos tentado colocar tudo junto de modo que eles pudessem ser lançados ao mesmo tempo, mas talvez isto não fosse possível. Notamos que o “Arctic Climate Impact Assessment” em 2004 também teve um procedimento similar – o que levou a uma certa confusão inicial, pois as afirmações contidas no sumário não estavam referenciadas.

O quão bom estavam os relatórios anteriores do IPCC quanto à antecipação do futuro? Na verdade, nos últimos 16 anos (desde o primeiro relatório em 1990), eles têm se mostrado notavelmente bons para as mudanças de CO2 e temperatura, mas com previsões não tão boas acerca das mudanças do nível do mar.

Com relação às discussões específicas, os dois temas mais cobertos pelos jornais são as projeções de aumento do nível do mar e os furacões. Essas questões contêm um número de “ignorâncias conhecidas” – coisas que nós sabemos que não sabemos. Para o aumento do nível do mar, o desconhecimento é quão grande será o efeito de alterações na dinâmica das superfícies de gelo. Tais mudanças dinâmicas já foram observadas, mas estão fora do alcance da capacidade dos modelos atuais de superfícies de gelo (veja esta discussão anterior). Isso significa que suas contribuições para o aumento do nível do mar são bastante incertas, mas com todas as incertezas pendendo para o pior cenário (veja este recente artigo para uma avaliação (Rahmstorf , Science 2007)). A linguagem no SPM ressalta isso dizendo

“Processos dinãmicos relacionados à movimentação de gelo não incluídos nos modelos correntes mas sugeridos por observações recentes podem ampliar a vulnerabilidade das superfícies de gelo ao aquecimento, aumentando a futura elevação do mar. A compreensão desses processos é limitada e não há consenso sobre sua magnitude.”

Note que alguns órgãos da mídia têm comparado maçãs com peras: eles argumentam que o IPCC reduziu seu limite superior do nível do mar de 88 para 59 cm, mas o primeiro número do TAR incluiu a incerteza da dinâmica do gelo, enquanto que o último do AR4 não inclui, precisamente porque essa questão é agora considerada mais incerta e possivelmente mais séria que antes.

No caso das tempestades tropicais/furacões, a linguagem é muito suave, como pode-se esperar do um documento de consenso. A ligação entre SST e a intensidade de tempestades tropicais é claramente reconhecida, mas também a distância entre as projeções de modelos e as análises das observações de ciclones. “O aumento aparente da porporção de eventos muito intensos desde 1970 em algumas regiões é muito maior que o simulado pelo modelos atuais para este período”.

Iremos focalizar algumas dessas questões em postagens específicas durante as próximas semanas. Existe muita coisa aqui, e precisaremos de tempo para digerir tudo!

(fonte: realclimate)