A publicação do Relatório Stern sobre os impactos econômicos das mudanças climáticas gerou repercussões no mundo inteiro. Publicamos a seguir o comentário postado em RealClimate sobre a ciência por trás deste importante documento:
A ciência de Stern
por Halldór Björnsson, William Connolley e Gavin Schmidt (RealClimate)
No fim do ano passado, o Tesouro britânico publicou o Relatório Stern sobre as conseqüências econômicas das mudanças climáticas, que foi recebido com entusiasmo pelo conjunto da classe política do Reino Unido, isto é a esquerda e a direita. Depois, ele foi objeto de inúmeros debates e críticas (ver a lista que preparou Rabbett Run). O essencial da discussão realizou-se em torno dos problemas econômicos (e éticos) associados “atualização” (isto é, como medir o bem-estar futuro em comparação ao bem-estar atual) – particularmente o relatório Nordhaus. Nós não estamos qualificados para comentar estes assuntos, assim como não comentamos no passado.
No entanto, como ilustram as entrevistas concedidas durante um recente programa de Radio 4 (das quais uma com William Connolley), certas questões diziam respeito à ciência que sustenta os cálculos econômicos. Vamos tentar abordá-las a seguir.
Ao contrário de um relatório mais antigo da Câmara dos Lordes, Stern não perde tempo tentando trapacear, e essencialmente busca a ciência no relatório do IPCC, com algumas atualizações de trabalhos mais recentes. A maior parte da ciência está resumida no capítulo um, e um leitor casual familiarizado com o relatório IPCC encontrará poucas surpresas em seções que incluem afirmações como “Uma massa esmagadora de evidências científicas indica que o clima da Terra está mudando rapidamente, predominantemente pelo efeito do crescimento dos gases de efeito estufa causado pelas atividades humanas” etc. Entretanto, as possibilidades científicas em Stern são ponderadas de maneira levemente diferente que nos relatórios do IPCC uma vez que, colo ele afirma, “os tomadores de decisão devem levar em conta os riscos extremos, além das previsões médias, por que seria muito grave se estes riscos viessem a se materializar” (Stern reply to Byatt et al).
Há três componentes científicas no relatório Stern: a sensibilidade climática, as emissões futuras dos gases de efeito estufa, e os impactos de uma dada mudança, expressas na forma de anomalia de temperatura global por razões de comodidade.
A sensibilidade climática (já discutida aqui anteriormente) foi considerada como provavelmente estando no intervalo de 1.5 a 4.5 C do IPCC TAR, e no intervalo de 2 a 5 C dos modelos utilizados no relatório Stern. No entanto, a probabilidade de valores maiores tem um papel importante no relatório. Especificamente, Meinshausen* (2006) [estabelece] que há “entre 2% a 20% de probabilidade que o aquecimento pode ser maior que 5 C”. Isto é verdade, mas o relatório esquece de mencionar que outros novos estudos (Annan and Hargreaves; Hegerl et al) sugerem que é insignificante a probabilidade que a sensibilidade climática seja superior a 5 C.
A incerteza sobre o aquecimento futuro não se reduz à incerteza sobre a sensibilidade, mas depende também daquela relacionada aos níveis futuros dos gases de efeito estufa (GEE). Existe uma ampla gama de cenários e de estimativas sobre níveis futuros de GEE que são utilizados nos relatórios do IPCC. O cenário utilizado pelo Relatório Stern é o A2, mas neste cenário, os níveis de GEE na segunda metade do século XXI são superiores à aqueles do cenário A1b, por exemplo. A questão não é se o cenário A2 é menos sólido que o A1, mas simplesmente que o Relatório Stern escolheu trabalhar com um dos cenários de “fortes emissões”. Além disso, o relatório reconhece também a grande incerteza (mas não claramente quantificável) de feedbacks positivos nas emissões de CO2 e CH4 de origem natural.
Com relação aos impactos das mudanças climáticas, a estória é semelhante: a maior parte dos impactos são declarados mas sua probabilidade de ocorrência é sujeita à debate. Por exemplo: o enfraquecimento da corrente termohalina para 1 grau de aquecimento, risco de colapso para 3 graus, risco de derretimento irreversível da calota de gelo da Groenlândia para um aquecimento de 2 graus, a elevação dos mares de 5 a 12 metros durante muitos séculos, - estas eventualidades são questionáveis, e deveriam ser consideradas como “o cenário adverso” dentre os possíveis impactos.
Em conclusão: Stern de um modo geral utiliza bem a ciência do clima, mas desvia-se para o lado das estimativas mais impactantes e as utiliza em seu sumário. Este viés altista faz com que o relatório seja vulnerável a acusações de “alarmismo”. O relatório é justo em apontar que os danos e seus custos crescem de maneira desproporcional com o aumento da mudança de temperatura e portanto, dada esta assimetria, os tomadores de decisão tem razão de os levar em conta. Entretanto, parece que a maior crítica deste relatório será endereçada (em outros foros) à parte econômica.
NB: De modo previsível, alguns dos “céticos” habituais atacaram igualmente a ciência do relatório Stern. No entanto, uma indicação de sua falta fundamental de seriedade é que, quando há realmente importantes incertezas (por exemplo, a probabilidade que a sensibilidade seja superior àquela geralmente estimada), eles as ignoram para fazer as mesmas repetitivas, desinteressantes e incorretas afirmações que eles sempre fazem.
*Meinshausen, M. (2006): 'What does a 2 C target mean for greenhouse gas concentrations? A brief analysis based on multi-gas emission pathways and several climate sensitivity uncertainty estimates' ("O que significa um alvo de +2°C en termos de concentração de gás de efeito estufa ? Uma rápida análise fundamentada em caminhos de emissão multi-gás et várias estimativas de incerteza da sensibilidade climática"), Avoiding dangerous climate change (Evitando uma perigosa mudança climática), in H.J. Schellnhuber et al. (eds.), Cambridge: Cambridge University Press, pages.265 à 280.
(fonte: realclimate)
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