segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

A Quarta Avaliação do IPCC – Sumário para Tomadores de Decisão

Temos tido uma política de (em geral) não comentar os vários rascunhos, citações incorretas e erros de leitura no relatório da Quarta Avaliação (“AR4” para aqueles acostumados com acrônimos) do IPCC. Agora que o sumário para tomadores de decisão (ou “SPM”) do IPCC foi enfim publicado, é possível discutir seu cerne sem nos preocupar tanto com sutilezas e detalhes do relatório. Esta postagem é somente inicial, desde que planejamos avaliar o relatório capítulo por capítulo durante os próximos meses, explicando as questões chaves e as questões ainda incertas. Este relatório será repetidamente referenciado nos próximos meses, de modo que poderemos a tempo realizar um trabalho razoável explicando seu conteúdo e motivo.

Em primeiro lugar, pelas pesquisas que vêm sendo realizadas desde o Terceiro Relatório de Avaliação (TAR) de 2001 – muitas das quais têm sido discutidas aqui – não é surpresa alguma que o AR4 traga uma forte conclusão. Em particular, o relatório conclui que as influências humanas sobre o clima são “muito possivelmente” (>90% probabilidade) detectáveis nos dados observados; aumentado de “possivelmente” (>66% probabilidade) no TAR. Resultados chaves apresentados aqui incluem as simulações climáticas ao longo do século XX, realizadas com os mais modernos modelos de clima, demostrando que as recentes tendências não podem ser explicadas sem a inclusão do aumento da concentração de gases de efeito estufa devido às ações humanas. Esse aumento também é consistente com o aquecimento dos oceanos, derretimento de gelo nos mares e em terra, e sinais de mudanças em ecossistemas naturais. Tal conjuntura torna irrefutáveis as projeções de grandes e contínuas mudanças ao longo do tempo, particularmente sobre o cenário business as usual (sem mudanças nos padrões globais de produção e consumo).

Tendo em vista todo o sensacionalismo desde o TAR, muitos de nós estávamos curiosos para ver o que o novo relatório iria trazer sobre as reconstruções paleoclimáticas dos últimos 1000 anos. Os ’contrários‘ irão sem dúvida ficar desapontados. As conclusões têm sido significativamente fortalecidas em relação ao que havia no TAR, o que certamente deveria ser esperado, haja vista os numerosos estudos adicionais que têm sido feitos apontando para uma mesma direção. A conclusão de que o recente aquecimento em grande escala provavelmente excede o alcance visto nos últimos séculos, foi estendido dos 1000 anos utilizados no TAR, para os últimos 1300 anos no relatório atual, e a confiança nessa conclusão foi promovida de “possivelmente” no TAR para “muito possivelmente” no relatório atual para o último meio milênio passado. Esta é apenas uma das várias e independentes linhas de evidências agora apontando em direção a uma clara influência antropogênica sobre o clima. Porém, dada todas as outras, as reconstruções paleoclimáticas são agora menos ainda o pilar central das evidências da influência humana sobre clima do que vinham incorretamente sendo consideradas.

As incertezas científicas envolvem principalmente a natureza precisa das mudanças esperadas, particularmente com respeito à elevação do nível do mar, mudanças do El Niño e em regimes hidrológicos regionais – freqüência de secas e descongelamento de coberturas de gelo, tempestades em latitudes médias, e com certeza, furacões. Pode ser divertido avaliar os pormenores das discussões nestes tópicos (e nós esperamos que haverá uma cobertura substancial da impresa sobre eles), mas isso não deve nos distrair das principais e das mais sólidas conclusões.

O processo de finalização do SPM (o qual é bem descrito aqui and aqui) pode parecer um pouco estranho. Representantes dos governos de todas as nações participantes pegam o rascunho do sumário (como escrito por um dos autores líderes de um dos capítulos individuais) e discutem se o texto reflete fielmente a ciência que está por trás do relatório principal. A chave aqui é notar que o que os autores líderes originalmente redigiram não é necessariamente a mais clara ou menos ambígua linguagem, de modo que cabe perfeitamente aos governos (para os quais o relatório está sendo escrito) insistirem que a linguagem seja modificada para que as conclusões sejam corretamente entendidas por eles e pelos cientistas. É também importante frisar que os cientistas têm que estar contentes com a linguagem final acordada, e se esta concorda com a ciência contida nos capítulos técnicos. A vantagem desse processo é que qualquer um envolvido está absolutamente consciente dos significados de cada sentença. Lembre-se que depois do "National Academies report on surface temperature reconstructions" houve muita discussão sobre a definição de ‘plausível’. Este tipo de coisa não deve ocorrer no AR4.

O processo do SPM também é muito útil como uma proposta política. Especificamente, ele permite aos governos envolvidos sentirem-se ‘como parte’ do relatório. Isso torna difícil mudanças posteriores nas posições assumidas, com base no argumento de que o relatório foi escrito por outra pessoa. Isso fornece aos governos um absoluto interesse em tornar esse relatório o melhor possível (dada as incertezas). Existem de fato muitas salvaguardas (ao menos pelos cientistas presentes) para assegurar que o relatório não seja enviesado em qualquer direção preferencial. Todavia, o lado ruim é que ele pode ser erroneamente confundido como um ponto de partida para negociações. Esta pode ser uma conclusão falsa – as negociações estão, de fato, fortemente constritas pela ciência subjacente.

Finalmente, poucas pessoas têm se perguntado por que o SPM está sendo lançado agora enquanto o relatório deverá ainda ser publicado em alguns meses. Existe um número de razões – primeiramente, a reunião de Paris possui tal significado público que segurar o SPM até que o relatório principal esteja pronto torna-se sem sentido. O relatório principal propriamente dito ainda não foi corrigido na íntegra, e não houve tempo suficiente para incluir dados observacionais do fim de 2006. Uma questão final é que as melhorias na concisão da linguagem do SPM devem ser propagadas para os capítulos individuais, de modo a remover qualquer ambigüidade superficial. O conteúdo científico não deve mudar.

Se dependesse de nós, teriamos tentado colocar tudo junto de modo que eles pudessem ser lançados ao mesmo tempo, mas talvez isto não fosse possível. Notamos que o “Arctic Climate Impact Assessment” em 2004 também teve um procedimento similar – o que levou a uma certa confusão inicial, pois as afirmações contidas no sumário não estavam referenciadas.

O quão bom estavam os relatórios anteriores do IPCC quanto à antecipação do futuro? Na verdade, nos últimos 16 anos (desde o primeiro relatório em 1990), eles têm se mostrado notavelmente bons para as mudanças de CO2 e temperatura, mas com previsões não tão boas acerca das mudanças do nível do mar.

Com relação às discussões específicas, os dois temas mais cobertos pelos jornais são as projeções de aumento do nível do mar e os furacões. Essas questões contêm um número de “ignorâncias conhecidas” – coisas que nós sabemos que não sabemos. Para o aumento do nível do mar, o desconhecimento é quão grande será o efeito de alterações na dinâmica das superfícies de gelo. Tais mudanças dinâmicas já foram observadas, mas estão fora do alcance da capacidade dos modelos atuais de superfícies de gelo (veja esta discussão anterior). Isso significa que suas contribuições para o aumento do nível do mar são bastante incertas, mas com todas as incertezas pendendo para o pior cenário (veja este recente artigo para uma avaliação (Rahmstorf , Science 2007)). A linguagem no SPM ressalta isso dizendo

“Processos dinãmicos relacionados à movimentação de gelo não incluídos nos modelos correntes mas sugeridos por observações recentes podem ampliar a vulnerabilidade das superfícies de gelo ao aquecimento, aumentando a futura elevação do mar. A compreensão desses processos é limitada e não há consenso sobre sua magnitude.”

Note que alguns órgãos da mídia têm comparado maçãs com peras: eles argumentam que o IPCC reduziu seu limite superior do nível do mar de 88 para 59 cm, mas o primeiro número do TAR incluiu a incerteza da dinâmica do gelo, enquanto que o último do AR4 não inclui, precisamente porque essa questão é agora considerada mais incerta e possivelmente mais séria que antes.

No caso das tempestades tropicais/furacões, a linguagem é muito suave, como pode-se esperar do um documento de consenso. A ligação entre SST e a intensidade de tempestades tropicais é claramente reconhecida, mas também a distância entre as projeções de modelos e as análises das observações de ciclones. “O aumento aparente da porporção de eventos muito intensos desde 1970 em algumas regiões é muito maior que o simulado pelo modelos atuais para este período”.

Iremos focalizar algumas dessas questões em postagens específicas durante as próximas semanas. Existe muita coisa aqui, e precisaremos de tempo para digerir tudo!

(fonte: realclimate)

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